JONGO

O Jongo do Vale do Café chega às plataformas em um álbum primoroso

Mais de 40 cantores e percussionistas quilombolas participaram do estúdio montado ao ar livre no meio da floresta, no próprio Quilombo São José

Capa do álbum Jongo do Vale do Café.Créditos: Divulgação
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O Jongo do Quilombo São José e o Jongo de Pinheiral, comunidades localizadas no interior do Estado do Rio de Janeiro -, se unem à nova geração de jongueiros do Morro da Serrinha, em Madureira, para lançar o álbum “Jongo do Vale do Café” que, como o nome indica, é inteiramente dedicado a esse gênero musical seminal da música brasileira.

O álbum é primoroso, pra dizer o mínimo. São 32 pontos centenários, oriundos das comunidades do Vale do Rio Paraíba, verdadeiras pérolas ancestrais que nunca haviam sido registradas em fonogramas

Mais de 40 cantores e percussionistas participaram do estúdio montado ao ar livre no meio da floresta, no próprio Quilombo São José. A gravação contou ainda com dois tambores centenários e de tronco escavado como em Angola: o caxambu e o candongueiro.

"Essa obra vai iluminar o público em geral sobre as raízes e a origem do jongo, sua história, tradições e também dar visibilidade aos circuitos turísticos de suas comunidades que teimam em manter viva essa memória ancestral dos pretos-velhos dentro dos seus territórios e lutam pela sua sustentabilidade através da cultura tradicional e do turismo étnico que desperta muito interesse hoje no mundo", diz Marcos André. Ele assina a direção artística e a direção musical em parceria com Thiago da Serrinha.

Marcos André garimpou durante quase 30 anos o repertório do álbum, que foi totalmente gravado em uma semana num terreiro de terra batida numa floresta do Quilombo São José, em Valença. O lugar é sagrado e tem mais de 200 anos de história, onde foram reunidos para uma imersão todos os mestres de duas comunidades centenárias da região, verdadeiros berços do jongo no Vale do Café e guardiões das suas raízes.

 "O estúdio e o sistema de gravação foram montados numa floresta no alto do quilombo, utilizando técnicas de gravação de orquestra para trazer para dentro da casa do ouvinte a esfera mágica e energia de uma roda de jongo de dentro do quilombo", explica Marcos André.

Foram instalados microfones aéreos, em buracos no chão (para captar o som dos tambores), e direcionais para captar as vozes dos mais de 40 cantores que gravaram os 32 pontos antigos de jongo preservados desde os duros tempos das senzalas. 

As vozes do disco

O Jongo de Pinheiral é liderado por três Mestras irmãs: Fatinha, Meméia e Gracinha - que, há mais de 40 anos, recolheram os pontos de jongo centenários dos pretos velhos já falecidos e criaram uma Escola de jongo para repassar para as novas gerações essa tradição. Mestra Fatinha é uma das mais antigas e importantes jongueiras do Brasil.

Já os jongueiros do Quilombo São José descendem de dois casais de africanos trazidos de Angola no navio negreiro para o trabalho nas fazendas de café, onde ficaram praticamente isolados sem luz elétrica e comunicação até 2005. Vivem de agricultura em casas de adobe e telhado de sapê numa realidade rural muito similar à dos tempos do cativeiro. Os 300 moradores do quilombo são casados entre si e constituem uma só família. No álbum cantam as jongueiras da nova geração Gilmara, Luzia e Luciene.

Ambas as comunidades possuem um Museu do Jongo e realizam eventos para visitantes e oficinas em escolas e centros culturais.

Nascido no Rio, o jongo é 'pai do samba' carioca

O jongo é considerado o "pai do samba" carioca. Teve suas origens vindas de Angola para o Brasil-Colônia, com centenas escravizados trazidos para o trabalho forçado nas senzalas do Vale do Café, das margens do Rio Paraíba do Sul.

Na região, se concentraram famílias negras que enfrentaram a escravidão e se tornaram grandes e talentosos artistas, criando gêneros musicais emblemáticos para a cultura nacional como o jongo, o calango, as folias, os terços, os pastoris, os cantos de trabalho e as ladainhas. Um caldeirão cultural de onde saíram matrizes fundamentais para o nascimento da MPB e, em especial, do jongo que deu origem ao samba.

"Muitos desses artistas e suas famílias não receberam suas terras com a suposta abolição e foram expulsos das fazendas. Com isso, desceram as serras das cidades do Vale do Café para a capital do Rio à procura de moradia e trabalho. Ao chegarem na cidade, sem ter onde morar, fundaram no alto dos morros as primeiras favelas: Providência, São Carlos, Mangueira, Salgueiro e Serrinha. Anos depois, esses mesmos mestres do jongo inventaram o samba junto com os baianos também recém-chegados e fundaram as primeiras Escolas de Samba do Brasil", rebobina historicamente Marcos André.

Clementina de Jesus

Clementina de Jesus, vinda de Valença para o bairro de Oswaldo Cruz, e em seguida para o Morro da Mangueira, foi o maior e mais popular nome do jongo.

Outras famílias resistiram e conseguiram permanecer no Vale do Café, onde criaram quilombos de resistências. Foram essas famílias que gravaram este Jongo do Vale do Café. As duas comunidades remanescentes do Quilombo São José e do Jongo de Pinheiral foram fundadas por volta de 1850 e apresentam só agora, por meio deste álbum, essa tradição na sua forma original.

"Por esta enorme importância na formação da cultura brasileira, o jongo foi primeiro bem imaterial do estado do Rio a ser tombado como patrimônio histórico nacional pelo Iphan, em 2005, e é uma das maiores contribuições dos negros para a cultura do país. Chegou a hora do brasileiro ter acesso à raiz do jongo na sua origem do Vale do Rio Paraíba, berço do Jongo que para nós do samba se equivale ao que significou e contribuiu o Rio Mississipi para o nascimento do blues e do jazz", ensina Marcos André.