Estreia na próxima quinta-feira (9) o filme “Coração de Neon” (2022), que foi elogiado em Cannes e classificado como o "primeiro longa do novo cinema popular brasileiro". Escrito e dirigido por Lucas Estevan Soares o longa metragem narra a história do jovem Fernando (Lucas Estevan Soares) que trabalha com o seu pai, o Lau (Paulo Matos), em um carro de telemensagens chamado "Coração de Neon", que espalha mensagens de amor pelas ruas de Boqueirão, um dos bairros mais populosos de Curitiba.
O pai de Fernando possui um sonho: levar o “Coração de Neon” para as ruas dos Estados Unidos, porém, um trágico evento irá impor uma reviravolta na vida daqueles que orbitam em torno da vida dos protagonistas.
Se nos primeiros momentos do filme somos levados a pensar que estamos diante de uma história ingênua sobre o amor, tal sensação cai por terra e somos lançados à uma jornada sobre violência motivada por gênero, masculinidades, militarismo e contrato social.
A violência que contamina a sociedade
Tanto Fernando quanto o seu pai acreditam que realizam um grande trabalho, que é o de espalhar amor pelas ruas de Boqueirão a partir de suas mensagens acompanhadas de músicas românticas. Porém, essa percepção um tanto ingênua perde o seu brilho quando eles se deparam com personagens que usam a ideia do amor apenas como um instrumento de dominação e desumanização do Outro.
A partir da trágica reviravolta da trama, o longa “Coração de Neon”, ainda que seja ambientado em uma cidade curitibana, constrói alegorias para tratar de uma série de questões urgentes que emergem neste início de século XXI, principalmente quando pensamos nas ascensão do ódio como motor de parte dos atores da política ocidental.
Além do plano geral, o filme também acerta a maneira como retrata a violência motivada por gênero e como ela contamina toda a sociedade, mas, principalmente, como transforma – de maneira negativa – a vida de todos aqueles que vivem no universo da vítima. Ninguém sai ileso.
Neste sentido, é interessante o trabalho do roteiro com o protagonista, o jovem Fernando: os closes da câmera em seu rosto fazem questão de mostrar um jovem sorridente e prestativo. Essa expressão dá lugar ao ódio e ao desejo de vingança quando ele é envolvido contra a sua vontade no universo da violência.
Masculinidades e militarismo
Arremessado ao universo das masculinidades, a câmera do filme acompanha Fernando em uma série de atividades vistas socialmente como “coisas de homem” ou, melhor dizendo, heteronormativas: consumo excessivo de álcool, violência entre torcidas de futebol, armas de fogo e o revide.
Além da abordagem sobre o masculino na vida de um jovem que vivencia a passagem para a chamada vida adulta, o filme “Coração de Neon” também está preocupado em colocar em questão o corpo do homem vestido com farda.
O masculino e a farda são dois ícones históricos da sociedade brasileira que foram reavivados durante a gestão do ex-presidente Bolsonaro (PL), que fazia questão de exacerbar misoginia, os coturnos, as armas e as violências como forma de fazer política.
Com “Coração de Neon” dá para ir além e também refletir sobre a questão do contrato social das sociedades ocidentais: qual é a responsabilidade dos textos responsáveis por fundar o Estado e o direito modernos nas perpetuações de violências motivadas por gênero, raça, orientação sexual e classe?
No lugar do ódio, amor
O roteiro de “Coração de Neon”, apesar de partir de um micro universo de uma cidade de Curitiba, nos leva a pensar sobre o limiar que as sociedades ocidentais estão vivendo. Principalmente quando pensamos na “guerra de todos contra todos” elaborada por Hobbes, um dos fundadores do contrato social, ao pensar sobre o destino dos povos.
Para o filme, o amor é o único sentimento capaz de evitar a tragédia social vislumbrada por Hobbes. O longa metragem não está sozinho nesta reflexão, basta olharmos para as recentes e vitoriosas campanhas de políticos progressistas que derrotaram os discursos bélicos e de ódio da extrema direita prometendo a paz, o amor e a coexistência.