Entre 2021 e 2022, enquanto o Brasil passava por um período de morbidez institucional e política, que desorientou a sociedade como um todo, o jornalista econômico Fausto Oliveira escreveu oito contos. Os textos foram reunidos no livro 'Estado de mal estar', que acaba de ser lançado.
A mais recente obra do jornalista econômico fala sobre um país deteriorado pela polarização política violenta e pela hipocrisia reinante em todos os lados. Pelo nome dos contos, pode-se ter uma ideia da atualidade do livro. 'Copom revela a hipocrisia econômica das altas autoridades'. 'Os músculos da direita econômica é uma sátira tanto da nova direita violenta e burra como da esquerda tradicional'. 'A extinção da classe média retira o véu de falsa prosperidade com que a classe média tenta não ver sua queda'.
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Este é o terceiro livro de Oliveira, que também é autor de 'O Ancap' (romance) e 'Estado & Desenvolvimento' (não ficção). Ele, que dirige o projeto Revolução Industrial Brasileira, tem longa experiência na imprensa setorial industrial no Brasil, América Latina, Estados Unidos e Europa. É apaixonado pela Economia, como ciência e como fato social.
Durante os dois anos em que escreveu o livro, 2021 e 2022, Oliveira recorda que em praticamente todas as intervenções públicas, advertia sobre o mecanismo econômico que funcionava por baixo de todas aquelas maquinações escandalosas que pareciam emparedar a sociedade em todos os seus espaços.
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"Meu argumento era de que a sociedade estaria sob maior risco se aceitasse o jogo da fragmentação do conflito, em lugar de forçar o debate de raiz, sobre o mecanismo econômico subjacente aos crimes e escândalos noticiados", recorda.
O autor desabafa que por muito pouco o período de morbidez institucional e política não continuou, referindo-se à eleição apertada do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outubro de 2022. Agora, ao publicar o livro, ele atesta não ser possível dizer que o país está livre daquela influência.
"O mecanismo subjacente, de ordem econômica, continua ativo e fortalecido. É dele que surge o estado de mal estar que dá o título desta seleta de contos. É deste estado de mal estar, experimentado pela imensa maioria do povo, que surge a morbidez política, filha da descrença com a desesperança."
Fausto Oliveira
Os contos reunidos na obra são uma experimentação ficcional para despertar um debate que ainda não está feito no Brasil, embora o resto do mundo já o faça. "Que sirvam como um estímulo contra a fragmentação social, a confusão política, o cultivo intencional da ignorância e da hipocrisia", afirma.
Em entrevista exclusiva para a Revista Fórum ele revela qual a inspiração para escrever 'Estado de mal estar'. "A agonia de ver o Brasil afundando sem que a sociedade sequer possa entender o que se passa", comentou.
Oliveira fala também da forma que a sua obra pode ajudar a compreender as questões nacionais, o desafio da reindustrialização brasileira e o papel do Brasil de Lula na reorganização da geopolítica global.
Confira a entrevista completa
Revista Fórum - O que o inspirou a escrever essa nova obra?
Fausto Oliveira - A agonia de ver o Brasil afundando sem que a sociedade sequer possa entender o que se passa, por absoluta cretinice dos meios de comunicação comerciais, que se soma a uma omissão dos agentes políticos quando chega a hora de enfrentar os poderes financeiros que se fizeram donos da economia nacional. Assim, os oito contos reunidos no livro são, de formas particulares e tentando às vezes trazer humor ou drama, propostas de reflexão sobre essa situação geral. Que não é nada boa.
Revista Fórum - De que forma seu livro ajuda a compreender as questões nacionais, como juros altos e desemprego?
Fausto Oliveira - Durante os últimos anos eu participei de diversos debates na internet tentando contribuir com o esclarecimento da sociedade a respeito de temas econômicos. Sempre me pareceu que a morbidez política dos últimos anos tinha como causa principal e combustível o mecanismo econômico de exclusão e elitização, que se acelerou e não dá sinais de parar. Mas as questões são difíceis de compreender, e tudo ficava pior porque estávamos em um contexto político cheio de escândalos em todas as áreas da vida social. Isso me levou a pensar que, talvez, propor uma representação literária dos dramas econômicos brasileiros pudesse funcionar melhor para gerar uma compreensão. Considerando a sabotagem da mídia comercial às ideias alternativas em economia, me pareceu urgente tomar essa iniciativa. Espero que consiga chegar em mais pessoas, principalmente em jovens, e que desperte um debate mais forte do que se verificou até aqui.
Revista Fórum - Um tema sobre o qual você se debruça há alguns anos é a desindustrialização brasileira. No dia 28 de março Lula vai se encontrar com Xi Jinping em Pequim. Quais as suas expectativas para esse encontro no que se refere aos caminhos para a reindustrialização brasileira?
Fausto Oliveira - Eu gostaria de ter excelentes expectativas, mas acredito que o Brasil levará à reunião os interesses do agronegócio em primeiro lugar. Não está errado, mas se isso acontecer será uma lógica imediatista. Caso a problemática industrial apareça, acredito que será pela via de investimentos chineses no Brasil como forma de adensar as cadeias produtivas de interesse dos asiáticos na América do Sul. Espero que esteja errado.
Revista Fórum - Estamos vivendo um verdadeiro tsunami na geopolítica que impacta diretamente na economia. Na sua visão, qual o papel do Brasil sob a presidência de Lula nesse contexto?
Fausto Oliveira - O Brasil deveria vocalizar uma altivez que, infelizmente, não estou encontrando na postura do governo. Quando digo altivez, gosto de pensar que ela poderia também ser criativa, apontar os "bodes na sala" da geopolítica. Por exemplo, acho que esse seria um ótimo momento para ressuscitar o antigo movimento de países não-alinhados. O bloco BRICS deve ter ido mesmo por água abaixo. Mas a ideia de não-alinhamento pode, exatamente por isso, ressurgir. Seria a hora de conversar com África, América Latina, Índia e mundo árabe para estabelecer uma plataforma de resistência a todos os imperialismos. Colocar isso como princípio. Uma espécie de ONU da periferia, anti-imperialista por princípio, capaz de falar grosso tanto com EUA quanto com China e Rússia. Mas isso exigiria um nível de coordenação interna que, a meu ver, estamos distantes de ter.
Revista Fórum - A ida de Dilma Rousseff para a presidência do banco do BRICS não pode mudar essa sua percepção de que o bloco foi por água abaixo?
Fausto Oliveira - Deveria, e espero que assim seja. Mas sinceramente, o indicativo geopolítico é de que o potencial de contratação de financiamentos do BRICS a partir de agora será contra-restado pelas muitas sanções e ameaças de sanção que devem vir nos próximos anos. Acho que haverá uma escalada que deve, talvez irreversivelmente, diluir o bloco. Vamos lembrar que o Brics [ bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] foi modelado em uma época marcada pela ideia força do multilateralismo liberal, sem que os EUA tenha feito muita coisa contra porque não previa a intensidade da virada de mesa da China. Agora, aquele modelo não existe mais, e o Brics não tem como recobrar a consistência de outrora.
O livro 'Estado de mal estar' já está disponível na Amazon em formato de e-book, que pode ser lido em qualquer dispositivo, inclusive computador e celular.