CRISTO E OXALÁ

"Ódio e racismo religioso": sacerdote da Umbanda rebate nota da Bancada Evangélica contra a Gaviões

Escola de Samba foi alvo de nota de repúdio da Bancada Evangélica por levar à avenida um mundo em que as diferentes fés convivem pacificamente e pregar contra a intolerância religiosa

Alegoria da Gaviões da Fiel trouxe Jesus Cristo negro nos braços de Oxalá.Créditos: Reprodução
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Representante de uma das religiões retratadas no desfile da Gaviões da Fiel no Carnaval de São Paulo, Pai Denisson D’Angiles,  sacerdote de umbanda do Instituto Céu Estrela Guia, rebateu em entrevista à Fórum a nota de repúdio divulgada pela Frente Parlamentar Evangélica - a famosa Bancada Evangélica -, contra a agremiação. "Fraqueza, ódio, racismo religioso e má-fé", resumiu Denisson, que participou de um ato inter-religioso dias antes do desfile na quadra da Gaviões.

Última escola de samba a desfilar na madrugada do último sábado (18), a agremiação ligada à torcida do Corinthians levou ao Sambódromo do Anhembi um mundo em que as religiões convivem pacificamente e pregou contra a intolerância religiosa

Entre os pontos de destaque da apresentação, sob o enredo intitulado "Em nome do Pai, dos Filhos, dos Espíritos e dos Santos", está uma alegoria em que Oxalá, uma das principais entidades cultuadas em religiões da matrizes africanas, como o candomblé e a umbanda, carrega nos braços um Jesus Cristo negro. Houve, ainda, a união entre egípcios e hebreus, israelenses e palestinos, a purificação de inquisidores e a homenagem a figuras simbólicas de diferentes crenças. 

A Bancada Evangélica, entretanto, divulgou uma nota para repudiar a temática escolhida pela Gaviões e ainda ameaçou processar a escola de samba. Segundo os políticos que compõem o grupo,  agremiação "deturpou" a "doutrina da Trindade" e  "não se pode comparar comparar Cristo e Oxalá, em hipótese alguma", como se coubesse a esses políticos determinarem o que é correto ou não em matéria de fé. 

Cristo e Oxalá

Ao rebater a nota da Bancada Evangélica, Pai Denisson D'Angiles explica que, logo de início, existe um "erro de interpretação" com relação ao enredo da Gaviões, já que não se fala em "Cristo e Oxalá", e sim há o questionamento "Cristo ou Oxalá?". 

Na sequência, o líder religioso explica quais as atribuições dadas a Oxalá e Jesus Cristo em diferentes crenças. "Oxalá não é um outro nome para Jesus. Para Jesus irão se criar diversas leituras de sua presença. Por exemplo, para o católico ele está como a segunda pessoa da trindade, que seriam as três presenças de Deus manifestadas: pai, que corresponde ao criador; Jesus, que também é Deus, o filho encarnado; e o espírito santo, que é a manifestação do espírito de deus e seus filhos. E assim, Jesus, por exemplo, pode ser Messias para uma crença, mestre para outras e profeta para tantas outras. Na maioria dos templos de umbanda, Jesus é entendido como Oxalá, e isso acontece em razão das semelhanças entre as qualidades e simbolismos que acabam pro aproximar essas duas presenças dentro dessas crenças", diz. 

O sacerdote da umbanda esclarece ainda que Jesus e Oxalá também estão presentes em sua religião: "Jesus é a expressão máxima de fé em Deus, e Oxalá, além de ser o orixá que ativa a fé dos seres, é considerado o primeiro dos orixás, sendo que na maioria dos Congás, o lugar onde se tem a liturgia dos umbandistas, o nosso altar, ocupa a posição mais alta do espaço. No entanto, Oxalá é divindade de origem Nagô-Iorubá, e nessa cultura ele é rei de fé, e responsável pela criação do mundo". 

"Eu como umbandista tenho fé nos meus orixás. Quanto às outras crenças que cultuam Oxalá, se tem a leitura do candomblé, por exemplo, que também se difere da umbanda. Para Oxalá não se limitam as crenças estabelecidas. Nessa perspectiva, Jesus pode ser um filho de Oxalá. Eu, como Pai Denisson, sou filho de um orixá. Então, Jesus tem uma atribuição como filho de Oxalá, um chefe de falange, um mestre, um avatar, um espírito de alto grau hierarquico que encarnou com uma missão, mas ele não se configura como divindade", prossegue. 

Intolerância e racismo religioso

Para Pai Denisson, a Gaviões da Fiel não cometeu nenhum crime como a Bancada Evangélica tenta imputar e a nota do grupo político, apesar de iniciar com uma afirmação de que está longe de cometer intolerância religiosa, está, por essência, praticando a intolerância religiosa. "Essa nota de repúdio não tem qualquer outra serventia se não chamar a atenção e ser uma atuação de racismo religioso, falsa identidade, apropriação do cristianismo, daquele que veio como um exemplo para nós", pontua. 

"A maldade está no ser humano, não está na religião. O dia que todo mundo entender isso, creio, muita coisa vai mudar.
Ninguém tem que ter medo porque na escola de educação infantil se fala de orixá, se na escola de samba se fala de orixá, é o coração que determina quem são eles, os orixás. Então, se a pessoa tem um coração do mal, tanto faz a religião que se segue, que o mal vai continuar. Não dá pra ‘tirar o coração’ para entrar numa igreja evangélica, num terreiro de umbanda, num terreiro de candomblé, o coração estará sempre junto. A ideia de diminuir, menosprezar, e ainda, tecer acusações sobre a fé alheia, em especial às de matrizes africanas, é um ato por si só de fraqueza, de ódio, de racismo religioso e por fim, de má-fé"
, sentencia o líder religioso. 

Leia a íntegra do samba-enredo da Gaviões da Fiel  

Em Nome do Pai, Dos Filhos, Dos Espíritos e Dos Santos… Amém!

Em nome do Pai
Dos Filhos
Dos Espíritos e dos Santos
Amém

Aruanda ê, quizomba
Nossa bandeira é religião
Nessa corrente eu sou mais um
Guerreiro de São Jorge, mensageiro de Ogum

Gaviões Fiel!

Obatalá mandou avisar
Quando tudo passar, vai ter procissão
Um olhar altaneiro no céu
Abençoa a Fiel a seguir a missão

Do Pai maior aprender a lição
Tirar as angústias do nosso caminho
Pra ajudar seu irmão a carregar sua cruz
Na força da fé, nunca estou sozinho

Aruanda ê, quizomba
Nossa bandeira é religião
Nessa corrente eu sou mais um
Guerreiro de São Jorge, mensageiro de Ogum
Aruanda ê, quizomba
Nossa bandeira é religião
Nessa corrente eu sou mais um
Guerreiro de São Jorge, mensageiro de Ogum

Enfim a nossa terra prometida
Na paz eu vi o povo se amar
Nessa terra que é de amém e de axé
Na verdade de Irmã Dulce
E de Chico Xavier

O mar se abriu, testemunhou
Um novo dia enfim clareou
E lá no céu essa luz que ilumina
Uma lágrima divina por Seu filho a derramar
Nos braços do Criador
Era Cristo ou Oxalá?
Nos braços do Criador
Era Cristo ou Oxalá?

Sou mais um Fiel abençoado
É alvinegro meu manto sagrado
Em nome do Pai, eu canto
Amém, meu coração corintiano
Sou mais um Fiel abençoado
É alvinegro meu manto sagrado
Em nome do Pai, eu canto
Amém, meu coração corintiano

Obatalá mandou avisar
Quando tudo passar, vai ter procissão
Um olhar altaneiro no céu
Abençoa a Fiel a seguir a missão

Do Pai maior aprender a lição
Tirar as angústias do nosso caminho
Pra ajudar seu irmão a carregar sua cruz
Na força da fé, nunca estou sozinho

Aruanda ê, quizomba
Nossa bandeira é religião
Nessa corrente eu sou mais um
Guerreiro de São Jorge, mensageiro de Ogum
Aruanda ê, quizomba
Nossa bandeira é religião
Nessa corrente eu sou mais um
Guerreiro de São Jorge, mensageiro de Ogum

Enfim a nossa terra prometida
Na paz eu vi o povo se amar
Nessa terra que é de amém e de axé
Na verdade de Irmã Dulce
E de Chico Xavier

O mar se abriu, testemunhou
Um novo dia enfim clareou
E lá no céu essa luz que ilumina
Uma lágrima divina por Seu filho a derramar
Nos braços do Criador
Era Cristo ou Oxalá?
Nos braços do Criador
Era Cristo ou Oxalá?

Sou mais um Fiel abençoado
É alvinegro meu manto sagrado
Em nome do Pai, eu canto
Amém, meu coração corintiano
Sou mais um Fiel abençoado
É alvinegro meu manto sagrado
Em nome do Pai, eu canto
Amém, meu coração corintiano

Sou mais um Fiel abençoado
É alvinegro meu manto sagrado
Em nome do Pai, eu canto
Amém, meu coração corintiano
Em nome do Pai, eu canto
Amém, meu coração corintiano