INTOLERANTES

Bancada Evangélica ataca Gaviões da Fiel por desfile corajoso contra intolerância religiosa

Escola de samba levou ao Anhembi um mundo onde as religiões convivem pacificamente, colocando Jesus nos braços de Oxalá, e despertou a ira de políticos que querem pautar as crenças

Gaviões da Fiel fez desfile contra a intolerância religiosa.Créditos: Reprodução
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A Gaviões da Fiel terminou o Carnaval de São Paulo 2023 em 9º lugar, mas trouxe ao Sambódromo do Anhembi um desfile corajoso e que vem sendo considerado histórico. A agremiação ligada à famosa torcida do Corinthians, sob o enredo "Em nome do Pai, dos Filhos, dos Espíritos e dos Santos", apresentou aos foliões um mundo em que as religiões convivem pacificamente e pregou contra a intolerância religiosa

Entre os pontos de destaque da apresentação, está uma alegoria em que Oxalá, uma das principais entidades cultuadas em religiões da matrizes africanas, como o candomblé e a umbanda, carrega nos braços um Jesus Cristo negro. Houve, ainda, a união entre egípcios e hebreus, israelenses e palestinos, a purificação de inquisidores e a homenagem a figuras simbólicas de diferentes crenças. 

"Enfim a nossa terra prometida/Na paz eu vi o povo se amar/Nessa terra que é de amém e de axé/Na verdade de Irmã Dulce/E de Chico Xavier", diz um trecho do samba-enredo. 

Ao pregar contra a intolerância religiosa, no entanto, a Gaviões da Fiel foi alvo, justamente, de intolerância religiosa por parte da Frente Parlamentar Evangélica, mais conhecida como Bancada Evangélica, da Câmara dos Deputados. Em nota assinada pelo deputado Eli Borges (PL-TO) e divulgada na noite desta quarta-feira (22), o grupo "repudia" o desfile da escola de samba e tenta pautar a crença das pessoas, afirmando que a agremiação "deturpou" a "doutrina da Trindade". 

"A doutrina da Trindade não é mera especulação ou proposição de costume, mas faz parte da identidade do ser cristão. A doutrina da Trindade foi amplamente discutida no cerne da Igreja Cristã e defendida como dogma após alguns Concílios, dentre eles tivemos: Niceia I (325 dC), Constantinopla I (381 d.C) e Calcedônia (451 d.C) destacamos o Concílio de Constantinopla Il, ano 553 d.C: Não confessamos três deuses, mas um só Deus em três pessoas: 'a Trindade consubstancial'", diz um trecho do documento. 

A Bancada Evangélica, no comunicado, ainda ignora o sincretismo religioso presente em inúmeras crenças no Brasil e afirma que "não se pode comparar comparar Cristo e Oxalá, "em hipótese alguma", como se coubesse a esses políticos determinarem o que é correto ou não em matéria de fé. 

Ao final das notas, os parlamentares chegam a ameaçar a escola de samba com medidas judiciais ao afirmarem que tomarão "meios legais e para defender algo que é tão caro e fundamental para a fé e identidade do povo cristão, conforme está tipificado no artigo 208 do Código Penal". 

Gaviões reage

Em nota divulgada na tarde desta quarta-feira (23), os carnavalescos da Gaviões, Júlio Poloni e André Martins, reforçaram a intenção da escola de samba de combater a intolerância religiosa, sem citar diretamente a nota da Bancada Evangélica. 

“A intolerância grita ante o sonho de vivermos em um mundo de igualdade, respeito e fraternidade. O que mostramos na avenida não foi ofensivo a ninguém em momento algum. Pelo contrário. Com todo o respeito a todas as crenças e credos, apresentamos um novo tempo em que todos convivem em harmonia. Quem se sente ofendido por isso é quem deseja um mundo de segregação ou quem se sente no direito de se considerar acima dos demais. E é justamente por existir tanta gente assim, consciente ou inconscientemente, que esse enredo foi tão importante no momento que vivemos”, escreveram.