Estas duas crianças palestinas entraram sem pedir licença na minha vida e eu já não consigo mais viver sem elas.
Tudo o que falo, em cada pequeno gesto, eu me recordo das duas, de seus olhares infantis, no mais profundo significado da palavra, na essência dela.
Não há como não pensar nessas irmãzinhas, ou irmãozinhos, se despedindo dos pais para irem à escolinha brincar com os colegas e aprender as letras e as palavras e as historinhas infantis palestinas.
Tomaram antes um café da manhã? O que comeram antes de saírem assim sujinhas, uma até descalça, a caminho da escola que provavelmente não há mais?
Onde foi parar a professorinha delas, se ainda está viva? E os coleguinhas todos, se já foram mortas por Israel quase nove mil crianças nestes quase três meses de genocídio?
Uma delas segura seu caderno com todo cuidado; a outra, a alça da mochila. Companheiros da escola, mochila e caderno ainda as acompanham diante do fotógrafo. Atrás delas, o que restou de parte de sua cidade, da terra que as viu nascer, as acolheu e que deveria ser delas de direito, pois são palestinas em terras palestinas.
Mas uma das mais poderosas Forças Armadas do planeta, apoiada pela mais poderosa, decidiu que os palestinos não têm direito a essa terra, que "Deus" a teria destinado aos judeus, quando quem os colocou ali ao lado foram os europeus e os Estados Unidos, para expulsá-los, os judeus, da Europa.
As duas crianças ignoram tudo isso e sorriem para o fotógrafo. Posam com os rostos coladinhos e o sorriso que só as crianças têm.
Desde o momento em que as vi, o efeito delas sobre mim foi como o do menino Jesus do poema de Alberto Caeiro, uma alegria, uma sensação de vida renovada, de que, apesar de tudo, sorrir é possível, quando ainda temos a criança que fomos dentro de nós.
A minha foi despertada por essas duas crianças, que encheram meu coração de alegria em meio a tanto desalento.
E é dessa imagem que envio meu desejo de um ano próspero e feliz, a começar pelo delas, que consigam sobreviver e sua terra lhes seja finalmente reconhecida como delas com a Palestina livre.
Que o sorriso dessas crianças em meio aos escombros e crueldades de um genocídio nos inspirem a levantar, erguer a cabeça e sorrir para o fotógrafo da vida. Exatamente como elas.
Feliz 2024.
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