Era uma vez, não era a época em que os animais falavam (essa época é agora...), eu era um jovem adolescente. Hoje já não sou mais jovem.
Naquela época, para mim ir ao cinema era um acontecimento. Ou melhor, três. Antes, quatro, porque havia a minha "tia".
Explico: minha mãe tinha uma amiga a quem chamávamos de tia. Era uma "tia que caía", como havia algumas naquela época. Não sei se ainda há hoje em dia. A mulher estava bem e, de repente, caía, sofria um colapso como se lhe roubassem os ossos.
Essa minha tia era assim. Não podia ser contrariada que caía. Machucava o queixo, ralava o joelho. Mas às vezes era sério, levava pontos na cabeça, uma fratura no braço. Ela "caía".
E não precisava ser uma grande contrariedade. "Antonio Carlos (só me chamava assim, como minha mãe), bota um pouco de guaraná para sua tia?". Já boto, tia. Ela já se levantava, "Não precisa", ia em direção à mesa... e caía. Era assim.
Graças a esse problema, que a fazia apagar diante de qualquer emoção maior, ela nunca ia ao cinema. Mas era apaixonada por cinema, especialmente filmes românticos. Sabia de todos os lançamentos, comentava comigo do que se tratava o filme, em que cinema estava passando e me dava até o dinheiro do ingresso e mais algum para "comprar umas besteirinhas". Mas eu tinha de contar o filme para ela, que anotava tudo num caderninho.
Esse é o quarto acontecimento relativo a cinema. Os outros três eram os filmes de Maciste, que eu ia sozinho; as comédias e filmes dos Beatles, que ia com amigos; e o filme romântico, onde eu levaria a menina que seria minha primeira namorada para termos dois finais felizes — na tela e na plateia. Problema é que eu ainda não havia conseguido uma companhia.
Os de Maciste eu ia sozinho, porque tinha vergonha. Era muito alto e magro (não sei se mais alto ou mais magro) e Maciste (tem filmes dele completos na internet) era um cara fortão, que derrotava exércitos inimigos jogando pedras enormes, maiores do que um fusca, montanha abaixo na cabeça deles. Curioso é que as pedras, que seriam pesadíssimas, quicavam ao bater na cabeça dos inimigos. Mas eu não ligava para nada disso, saía do cinema forte como Maciste e testava minha força tentando separar grades de ferro de uma casa ou outra, com resultados, digamos, ridículos.
Nos filmes de comédia de Jerry Lewis íamos para rir em grupo, que é bem melhor do que rir sozinho. Já nos filmes do Beatles, ou num deles — Help — fomos todos uniformizados, calça Lee branca e camisa de gola rolê vermelha. Não me pergunte o porquê, pois como diria Chicó, só sei que foi assim.
Mas vamos finalmente à razão do título. Minha primeira ida ao cinema com intenções românticas. Arrumara enfim uma companhia. Teria um final feliz?
Eu estava nervoso. Minha tia havia recomendado muito o filme, parecia mesmo mais interessada nele que em outros anteriores e me deu até mais dinheiro, "para você comprar bala também para sua namoradinha". Mas queria saber de tudo. Para anotar no caderninho dos filmes que ela nunca viu.
Não me lembro do nome do filme nem o da menina, o que parece indesculpável, mas vamos supor que fosse Lúcia, porque no meu prédio morava uma Lúcia, uma loura de cabelos compridos que lembrava muito minha "namorada" da época — Brigitte Bardot (embora ela não soubesse), de quem já falei por aqui.
Mas, vamos supor que fosse Lúcia — não, bem agora me veio à cabeça o nome dela — Beth — e junto com o nome, puxado do arquivo da memória, como uma gaveta que se abre, veio o rosto dela, o cabelo louro curto, umas sardinhas no rosto e um dos dois dentes centrais com um quebrado inclinado que dava a ela o sorriso mais lindo do mundo. Como eu havia me esquecido dela, tempo?
Ofereci a ela um drops de anis. Bola fora. Ela disse que não suportava anis. Usou a palavra, ainda me lembro hoje. Sorte que eu havia comprado também um Dulcora misto. Abri. O primeiro era amarelo, devia ser abacaxi ou... Não importa, ela fez um muxoxo de reprovação. Ao segundo também. Passei o drops inteiro pra ela, "comprei pra você", que sorriu tímida, com aquele dentinho lascado maravilhoso, e eu fiquei feliz.
Durante o filme eu encostava meu braço no dela na poltrona. Numa hora tentei segurar a mão. Mas as coisas antigamente não eram fáceis. Aquilo estava me deixando nervoso. Não conseguia nem prestar atenção ao filme, só pensando nela e na possibilidade do meu primeiro beijo de cinema.
Ela ligada na história, só de vez em quando se virava para mim. Parecia minha tia, uma cinéfila. E o filme já se aproximava do fim.
Segurei a mão dela. Ficou. Então ela se virou para mim. É agora ou nunca, pensei, e a beijei. Ela não recusou. Mas tinha que ser de língua. Tentei e ela se afastou. Gelei.
O que havia feito de errado? — pensava, enquanto olhava para a tela, sem ver o filme. Até que senti a mão dela chegando junto de minha boca. Era um drops vermelho. Entendi. Com o drops de anis eu não teria o final feliz.
Mordi a bala em pedacinhos, esfreguei-a na língua com força e nos beijamos tanto, o beijo mais gostoso do mundo, que nem vimos o tempo passar e o filme acabar. Fomos interrompidos pelas luzes acesas do cinema. Cruzes! Que flagra, que flagra, que flagra! O filme havia acabado e nem havíamos reparado.
Nos levantamos, meio sem jeito. Eu pensando no que iria fazer, já que agora eu tinha minha primeira namorada oficial (que me perdoasse BB, que não tinha o quebradinho no dente de Beth).
Saíamos assim os dois felizes do cinema de mãos dadas, quando de repente ela soltou a minha mão, nervosa. "Meu pai" — ela disse.
Sim, sou da época em que pais buscavam as filhas na saída do cinema. Ela se virou, me deu um tchau, um último sorriso com o dentinho e partiu com o pai.
Fiquei parado, congelado, até que ouvi a pergunta filosófica crucial daquele momento: — Salgada ou doce? Era o pipoqueiro à minha frente. Ele perguntava da pipoca, mas eu pensava na minha história: salgada ou doce?
— Meio a meio, me decidi.
E saí comendo a pipoca, de volta para casa. Só então me lembrei de minha tia. Que filme iria contar a ela, se aquele foi o filme da minha vida? Tinha que pensar em alguma coisa.
E foi naquele dia que eu virei escritor.