BARBÁRIE

Série "João Sem Deus" faz retrato sem filtro de um estuprador em série

A trama revela o submundo de violências sexuais que aconteciam no centro espírita "Casa de Dom Inácio de Loyola"

Série "João Sem Deus" faz retrato sem filtro de um estuprador em série.Créditos: Divulgação
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Recém-estreou na Globoplay a minissérie "João Sem Deus - A Queda de Abadiânia" (2023), dirigida por Marina Person. A produção narra sem nenhum tipo de verniz a figura escondida pelo líder espiritual: a de um estuprador em série.

Para contar os horrores cometidos por João de Deus, o roteiro da minissérie foca na história das irmãs Carmem (Bianca Comparato) e Cecília (Karine Teles), que juntas vão à "Casa de Dom Inácio de Loyola", o centro comandado por João, e têm o primeiro contato com o líder, interpretado por Marco Nanini.

João de Deus: de líder espiritual a estuprador em série

Intercalando passado e presente, a minissérie "João Sem Deus" nos coloca na intimidade de um estuprador. No entanto, com o detalhe de que se trata de uma figura que alcançou ares místicos no Brasil e que foi visitado por celebridades e personalidades da política nacional.

Ainda que seja difícil acompanhar algumas cenas, a direção de Marina Person é magistral na escolha dos enquadramentos e da fotografia nos momentos em que João de Deus abusa das mulheres. A aura mística sai de cena e o que resta é um homem sem escrúpulos, vaidoso e denunciado por mais de 300 mulheres por crimes sexuais.

João de Deus e os homens de poder

Além de toda a violência perpetrada por João de Deus, a produção também faz questão de tratar do poder masculino nos espaços de poder e da submissão das mulheres às suas respectivas vontades.

Entre as cenas, há uma que merece destaque: após o início das denúncias, João de Deus se reúne com alguns outros homens para rezar e se defender das acusações de estupro. De maneira proposital, a diretora Marina Person direciona sua câmera para as partes mais asquerosas dos corpos ali presentes.

Durante a conversa, Cecília, a assistente de João de Deus, entra na sala e ouve o médium se vangloriar de que seu órgão genital ainda fica ereto, o que o faz cair na gargalhada. Enojada, a mulher corre para o banheiro para vomitar.

A sensação de nojo nos acompanha ao longo dos três capítulos. Em determinados momentos, sentimos que estamos naquele espaço azul, branco, ensolarado e repleto de homens asquerosos.

Além do uso da fé alheia para a obtenção de poder, "João Sem Deus" também é uma obra que visa trabalhar com a questão do poder masculino e como este é exercido. A história contada é a de um líder espiritual, mas também faz referência a um certo tipo de exercício de poder que ainda enxerga o corpo das mulheres como algo de domínio público, perpetuando misoginia e patriarcado.

Além da direção magistral de Marina Person, todo o clima de filme de terror ganha completude com as excelentes atuações de Bianca Comparato e Karine Telles, que servem como alegoria das centenas de mulheres abusadas, e claro, Marco Nanini, que, na medida certa, incorpora toda a monstruosidade de João de Deus.

O destino de João de Deus

João de Deus foi denunciado por 319 mulheres, no entanto, a Justiça acredita que mais de mil mulheres foram estupradas pelo médium.

Condenado a 489 anos e quatro meses de prisão por crimes de estupro, atualmente João de Deus cumpre pena domiciliar em sua mansão localizada em Anápolis (GO).

Confira abaixo o trailer da minissérie "João Sem Deus":