PACTO SOCIAL

Lilia Schwarcz: A vitória de Lula traz um novo recomeço e um novo pacto pela democracia no Brasil

Exposição sobre o futuro da democracia, que será inaugurada no dia da posse de Lula, conta com a curadoria da historiadora e outros pesquisadores

Lilia Schwarcz: A vitória de Lula traz um novo recomeço e um novo pacto pela democracia no Brasil.Créditos: Reprodução/ redes sociais / Ricardo Stuckert
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O dia 1º de janeiro de 2023 ficará marcado como a posse de Lula (PT) para o seu terceiro mandato como presidente do Brasil e o fim do governo Bolsonaro (PL), gestão que já entra para os registros históricos como o mais obscurantista a ser exercido no país. 
Negacionista e fundamentalista, o governo de Bolsonaro perseguiu a classe artística, desmontou o Ministério da Cultura e promoveu discursos e atos de ódio contra a população negra, mulheres, indígenas e LGBTI+. 


Além de marcar o início de uma nova etapa do Brasil, o dia 1º de janeiro também vai contar com mais dois eventos que visam celebrar o início do novo tempo que se anuncia: o Festival do Futuro, que vai contar com a apresentação de dezenas de artistas, e a exposição "Brasil Futuro: as Formas da Democracia”. 


 A exposição tem curadoria da historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz e do arquiteto Rogério Carvalho, ex-curador dos acervos dos palácios do Planalto e Alvorada, do ator Paulo Vieira e do secretário de Cultura do PT, Márcio Tavares, e ficará em exibição no Museu Nacional da República e ficará aberta do dia 1º de janeiro até 26 de fevereiro, sempre de terça a domingo, das 9h às 18h30, com entrada gratuita. 
 

Em entrevista à Fórum, Lilia Schwarcz explica os objetivos da exposição e de que maneira os artistas presentes na mostra interpretam o Brasil.  Além de explicar os conceitos que envolvem a exposição, Lilia também analisa a presença histórica do autoritarismo e do machismo na estrutura do Brasil, tema abordou em seu livro "Sobre o autoritarismo brasileiro" (Cia das Letras/ 2019).

A pesquisadora afirma que “a derrota de Jair Bolsonaro e a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva significam um novo momento de esperança, um novo momento de alegria, um novo recomeço e um novo pacto pela democracia no Brasil”, e é sobre esse novo momento que a exposição versa a partir das obras de vários artistas.  

 

 

Fórum – A democracia e o seu futuro tem sido um dos principais assuntos em variados países diante da ascensão de vários grupos de extrema direita que repudiam o modelo republicano. Dentro deste cenário, como você avalia a derrota de Jair Bolsonaro e o futuro da democracia no Brasil. 

Lilia Schwarcz - A ascensão de grupos da extrema direita foi a grande novidade a partir de 2016, uma espécie de reação à recessão econômica que se abateu sobre o mundo. No caso do Brasil, em 2016, que também foi o ano do golpe da presidenta Dilma Rousseff e que levou à ascensão desse baixo clero da política nacional. Digo baixo clero porque eram, até então, políticos sem qualquer brilho, sem qualquer projeto democrático, sem qualquer pauta de cidadania. A eleição de Jair Bolsonaro culminou nesse processo e tivemos quatro anos de um governo muito retrógrado, um governo negacionista, terra planista, um governo golpista, que declarava golpe o tempo todo, um governo que buscou armar a população, um governo que tentou destruir o nosso meio ambiente, que tirou verbas da educação e da saúde, setores fundamentais da nossa nacionalidade. A derrota de Jair Bolsonaro e a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva significam um novo momento de esperança, um novo momento de alegria, um novo recomeço e um novo pacto pela democracia no Brasil. 


Fórum – A exposição está dividida em três tópicos: "Retomar os símbolos", "Descolonizar" e "Somos nós". Gostaria que você falasse um pouco desses pontos e de que maneira eles juntam para (re)construir o Brasil e fortalecer a democracia. 

Lilia Schwarcz - A exposição tem quatro curadores: eu, Rogério Carvalho, Márcio Tavares e o Paulo Vieira. Nós defendemos a ideia de democracia como um projeto aberto, onde a democracia é uma eterna construção, porque os direitos nunca estão para sempre ganhos, eles precisam ser conquistados novamente e nós dividimos em três tópicos que retomam essa ideia. 


O primeiro núcleo, "Retomar os Símbolos", fala sobretudo da bandeira nacional como um dos grandes ícones da nacionalidade e que foi sequestrado durante o governo Jair Bolsonaro e, a partir das obras de muitos artistas tenta vertebrar essa ideia, mostrar as várias inspirações que a bandeira produz e como ela pode ser vista, apreendida na chave da pluralidade e da diversidade. 
No núcleo "Descolonizar" nós exploramos a ideia de que até aqui a nossa história e a história da arte foram muito brancas, coloniais, europeias e masculinas. Então, nós trazemos obras de artistas negros, negras, negres, indígenas, mulheres, pessoas LGBTQIA+ para mostrarem outros projetos de Brasil, outras formas de imaginar outras nacionalidades. 


Por fim, no núcleo "Somos Nós" a questão da diversidade também explode. Nós procuramos incluir obras de artistas de muitas marcações sociais de diferença como raça, gênero e sexo, mas também região e geração. 
A ideia é que a gente apresente nesse lugar tão icônico, tão simbólico que é o Museu Nacional da República, construído pelo Niemeyer, uma esperança e uma utopia de Brasil, esse país tão desigual e que precisa sempre conquistar e lutar pela igualdade.


Fórum – Na apresentação da exposição vocês também colocam o fato de que a história do Brasil ainda é marcadamente eurocêntrica e masculina. Como desmantelar essa rígida estrutura?

Lilia Schwarcz - Eu sou historiadora e antropóloga e a gente sempre pensa que história é uma disciplina que muda, mas também é preciso refletir como a história reitera. A questão do machismo, da misoginia, essa questão de nós nos imaginarmos tão europeus e não darmos tanta atenção às nossas especificidades é uma questão de longa data, são séculos de estabelecimento desse tipo de concepção, também são séculos de produção do racismo, ou seja, o Brasil é o país com a maior população negra do mundo depois da Nigéria, foi o país que, infelizmente, recebeu a maior população africana das muitas áfricas que vieram habitar o Brasil, mas que chegaram aqui como escravizados e não tiveram sequer o direito à memória: a memória do seu passado, que tem tudo a ver com o nosso projeto de presente e sonho de futuro. 


Também fizemos uma política muito genocida em relação às populações LGBTQIA+, que precisam também ter aqui a sua presença, participação, a sua força, a sua potência. As mulheres também: o Brasil é o país que mais mata mulheres e não seria diferente na história da arte, durante tantos anos não tínhamos representantes artistas mulheres. Essa história vai mudando, isso é um projeto de longo curso, mas com muita urgência, porque nós temos urgência. Eu espero que essa exposição possa fazer uma pitadinha e que possa cumprir um papel relevante na posse de Luiz Inácio Lula da Silva, até porque os artistas, as artistas e artistes sofreram tanto durante esses quatro anos de Jair Bolsonaro, que foram anos que perseguiram fortemente o setor. A participação democrática e cidadã dos artistas e das artistas nesta exposição é um dado irrevogável, da maior importância pra esse Brasil que se apresenta a partir de 2023.