Apanhado do cinema 2021 – Por Cesar Castanha

Confira o que de melhor rolou nas telonas em 2021 no artigo do crítico Cesar Castanha

Imagem do filme The Card Counter
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Em 2021, tivemos muitas expectativas em torno do retorno aos cinemas, e muitas delas frustradas, principalmente, pela continuidade da pandemia, embora também por estratégias econômicas de lançamento de alguns filmes, que não priorizaram as salas de cinema sobre as plataformas de streaming. Por mais justificadas que, pode se argumentar, tenham sido essas estratégias, não muda o fato de que elas sinalizam uma transição mais generalizada de prioridades econômicas em torno da produção e distribuição massiva de audiovisual. Enquanto os serviços de streaming alegam uma falsa diversidade de títulos para atrair assinantes (falsa porque são quase todos produzidos por uma mesma empresa em cada uma dessas plataformas), a preocupação com a diversidade de títulos nas salas de cinema dimuni, e filmes-evento, os maiores fenômenos de bilheteria, tornam-se os únicos acessíveis nesses espaços. Esse problema se intensifica no que estratégias de controle dessa diversidade e de incentivo ao cinema local escapam aos interesses políticos-econômicos dos que estão no poder. A abertura desta edição da lista anual desta coluna é mais pessimista e reflete os filmes aqui escolhidos, poucos vistos no cinema (de que me mantive afastado por 20 meses) e poucos brasileiros (os poucos, curtas-metragens, um fenômeno que deve ser discutido). Ainda assim, há muitos filmes para serem vistos, revistos, descobertos, amados e discutidos. Sigamos com as listas. Nos links, comentários e críticas sobre os filmes.

Filme:

  1. The Card Counter
  2. Slow Machine
  3. Memória
  4. A Crônica Francesa
  5. Petite Maman
  6. Um Verão Incomum
  7. Ataque dos Cães
  8. Red Rocket
  9. Azor
  10. Matrix Resurrections

Em The Card Counter, Paul Schrader retoma um tema comum a sua filmografia: a violência e a epifania do toque, da aproximação entre dois corpos, e o seu resultado é brilhante. Em Petite Maman, Céline Sciamma faz um experimento com a construção de cena que tem sido muito reconhecido por sua beleza, mas pouco pelo seu devido radicalismo. Em Memória, Apichatpong continua sua investigação em torno do que conecta o cinema, o mundo filmado e os seus espectadores.

Direção:

  1. Paul Schrader (The Card Counter)
  2. Céline Sciamma (Petite Maman)
  3. Apichatpong Weerasethakul (Memória)
  4. Wes Anderson (A Crônica Francesa)
  5. Lana Wachowski (Matrix Resurrections)

Atriz:

  1. Olivia Colman (A Filha Perdida)
  2. Stephanie Hayes (Slow Machine)
  3. Agathe Rousselle (Titane)
  4. Tilda Swinton (Memória)
  5. Laura Donnelly (The Nevers)

Ator:

  1. Hidetoshi Nishijima (Drive My Car)
  2. Anthony Hopkins (Meu Pai)
  3. Oscar Isaac (The Card Counter)
  4. Simon Rex (Red Rocket)
  5. Benedict Cumberbatch (Ataque dos Cães)

Master of None precisou passar por uma revisão de propósito narrativo depois das controvérsias envolvendo o seu cocriador e antigo protagonista, Aziz Ansari. Consequentemente, a nova e breve temporada, nomeada “Moments in Love”, é protagonizada e desenvolvida por Lena Waithe, focando no relacionamento da sua personagem (Denise) com a de Naomi Ackie (Alicia). Como Alicia, Ackie dá a dimensão mais forte da razão de ser da temporada. É no episódio centrado nela que a série como um todo atinge o seu ápice.

Atriz coadjuvante:

  1. Naomi Ackie (Master of None)
  2. Kirsten Dunst (Ataque dos Cães)
  3. Mutsuko Erskine (PEN15)
  4. Jennifer Coolidge (The White Lotus)
  5. Fusako Urabe (Roda do Destino)

Se o primeiro ato de Titane parece uma sequência de imagens cumprindo uma função contínua de produção de choque, o desenvolvimento da relação entre os personagens de Vincent Lindon e Agathe Rousselle a partir do segundo ato dão outras nuances à violência percebida inicialmente. Como pai desesperado para reencontrar o filho perdido, Vincent Lindon concede a Titane uma complexa âncora afetiva em que reside aquilo que o filme tem de melhor, mais potente e interessante.

Ator coadjuvante:

  1. Vincent Lindon (Titane)
  2. Tye Sheridan (The Card Counter)
  3. Kodi Smit-McPhee (Ataque dos Cães)
  4. Jeffrey Wright (A Crônica Francesa)
  5. Mike Faist (Amor, Sublime Amor)

O elenco era um dos pontos que prometia fazer da nova versão de Amor, Sublime Amor, transformadora, e ele entrega o que promete. As pequenas histórias de Roda do Destino se sustentam, em grande parte, por sua interpretação. E Ataque dos Cães constrói seu drama a partir da tensão entre os corpos dos atores.

Elenco:

  1. Amor, Sublime Amor
  2. Roda do Destino
  3. Ataque dos Cães
  4. Succession
  5. Red Rocket

Trabalho Coreográfico:

  1. Amor, Sublime Amor
  2. Ataque dos Cães
  3. The Nevers
  4. Matrix Resurrections
  5. Titane

            Paul Schrader é consistentemente um roteirista tão interessante e experimental quanto é um diretor, e The Card Counter não é uma exceção. A Filha Perdida, adaptação do livro de Elena Ferrante, toma liberdades geográficas com a obra, mas a sua atenção à Leda (Olivia Colman) faz dele um dos melhores “filmes de personagem” do ano. E Azor é extremamente perspicaz em como trata a ditadura na Argentina como um acordo entre gentlemen, pelas voltas por dentro de clubes de elite.

Roteiro:

  1. The Card Counter
  2. A Filha Perdida
  3. Azor
  4. Ataque dos Cães
  5. Roda do Destino

A costura por dentro do processo subjetivo de uma atriz em Slow Machine. As ansiedades e o movimento constante de uma periferia interiorana em Red Rocket. O ritmo meticuloso, dando tempo e espaço para fazer a respiração dos personagens sensível, em The Card Counter.

Montagem:

  1. Slow Machine
  2. Red Rocket
  3. The Card Counter
  4. Um Verão Incomum
  5. Petite Maman

Fotografia:

  1. Ataque dos Cães
  2. Memória
  3. The Card Counter
  4. Red Rocket
  5. Azor

Trilha Sonora:

  1. Ataque dos Cães
  2. Matrix Resurrections
  3. Luca
  4. A Filha Perdida
  5. Annette

Com “So may we start?”, Annette recria brilhantemente no cinema um dos gestos formais do teatro. “Why bother?” é a síntese do que a série Central Park tem a oferecer de melhor, sátira misturada a um amplo amor por seus personagens e o mundo em que eles vivem. “Agnes all along” é uma demonstração do que os as adaptações de quadrinhos da Marvel poderiam alcançar se se dispusessem ao excesso, à brincadeira e ao cartunesco com mais frequência.

Música:

  1. "So may we start?", Annette
  2. "Why bother?", Central Park
  3. "Agnes all along", WandaVision

            Jessica, a personagem de Tilda Swinton em Memória, investiga um som que a perturba. Ela tenta descrever esse som para um músico indicado a ela por um amigo professor universitário. Na cabine de som, ela o descreve: é arredondado, terreno, metálico, baixo. Enquanto a investigação procede, Apichatpong desdobra em torno da personagem uma complexa paisagem sonora, cheia de textura, contraste, detalhes, uma música da espera.

Trabalho de Som:

  1. Memória
  2. Slow Machine
  3. Amor, Sublime Amor
  4. Matrix Resurrections
  5. Annette

Série ou minissérie:

  1. Insecure (quinta temporada)
  2. Master of None (terceira temporada)
  3. Missa da Meia-Noite
  4. Mare of Easttown
  5. PEN15 (segunda temporada, parte 2)

            Não é por acaso que os poucos filmes brasileiros das listas estejam reunidos aqui. Enterrado no Quintal é mais uma evidência, de infinitas, da sofisticação do nosso cinema. Produzir esse tipo de cinema no Brasil, no entanto, é extremamente difícil. O financiamento é escasso e, com poucas exceções (tornadas ainda menores devido a pandemia), difícil de distribuir e diretamente dependente dos festivais de cinema (também afetados pela pandemia). Esses são alguns dos motivos porque cineastas e profissionais do cinema talentosos encontram no formato do curta-metragem um de que podem se apropriar para a própria criação. Que não reste dúvida, porém: Enterrado no Quintal, um filme amazonense, é um dos melhores filmes do ano.

Curta ou média-metragem:

  1. Enterrado no Quintal (dir. Diego Bauer)
  2. Vander (dir. Barbara Carmo)
  3. Nha Mila (dir. Denise Fernandes)
  4. A Comunhão da Minha Prima Andrea (dir. Brandán Cerviño)
  5. The End of Suffering (A Proposal) (dir. Jacqueline Lentzou)

            Em Um Verão Incomum, temos uma reorganização afetiva da câmera de vigilância. O dispositivo, colocado pelo pai do diretor na frente de sua própria casa, na Palestina, durante o verão de 2006, apresenta rasuras no seu propósito observacional de discriminação impessoal e acusatória e se torna (pela montagem do filme e pela própria dinâmica de olhar de quem instalou a câmera) um artefato para a revelação de uma comunidade.

Documentário:

  1. Um Verão Incomum
  2. Her Socialist Smile
  3. Vander
  4. A Comunhão da Minha Prima Andrea
  5. The Beatles: Get Back

            Em sua segunda temporada, Central Park, série animada da Apple+, conseguiu expandir as possibilidades estéticas do universo encantador a que fomos apresentados na temporada anterior. O grande destaque da temporada é o episódio The Shadow, uma trama de mistério ambientada no passado da grande vilã do desenho, com uma conclusão operística. No terreno habitual da Disney, Luca é o filme animado mais interessante que o estúdio entrega em alguns anos. E Magnética é um curta animado brasileiro experimental demonstrativo de um trabalho exemplar com as técnicas de animação.

Animação:

  1. Central Park (segunda temporada)
  2. Luca
  3. Magnética

            A Crônica Francesa é fruto de uma relação recorrente e bastante reconhecida que Wes Anderson tem com a direção de arte, conduzida por Adam Stockhausen já há alguns filmes. Trata-se, a meu ver, de um exercício de imaginar o mundo a partir de suas superfícies, o que, em um filme que pensa a relação de uma revista com a sua cidade, é especialmente adequado. Amor, Sublime Amor recria a peça antes de tudo, eu diria, por uma reimaginação do que pode ser a relação entre o palco e o espaço urbano, ou do espaço urbano como palco, pensando menos no aspecto plano das ruas e mais nas ruínas que seus personagens habitam coreograficamente. E a maior conquista de WandaVision é sua habilidade de confrontar a história da sitcom televisiva indo ao detalhe das suas diversas encenações.

Direção de Arte:

  1. A Crônica Francesa
  2. Amor, Sublime Amor
  3. WandaVision
  4. Luca
  5. O Esquadrão Suicida

            Em seu trabalho cenográfico, Amor, Sublime Amor abraça o artifício para buscar, dentro dele, uma relevante reelaboração histórica entre os escombros do que um dia foi a periferia Nova Yorkina. Meu Pai se desenvolve a partir da relação de um sujeito com um espaço em constante transformação. E A Crônica Francesa busca o aspecto mais ilustrativo de seus espaços nas intercessões entre o design, a escrita, a arquitetura e o cinema.

Cenografia:

  1. Amor, Sublime Amor
  2. Meu Pai
  3. A Crônica Francesa
  4. Petite Maman
  5. WandaVision

            Da esplendorosa sequência de “I feel pretty” até o confronto-chave entre os protagonistas, a caracterização de Amor, Sublime Amor cumpre funções de encenação, desdobramento de personagem, satírica e dramática. Titane conta com o trabalho de figurino e maquiagem para elaborar a sua história de ressignificação do sujeito e do corpo. E Spencer faz da textura dos tecidos de Diana a textura do próprio filme.

Figurino e Maquiagem:

  1. Amor, Sublime Amor
  2. Titane
  3. Spencer
  4. Maligno
  5. Duas Tias Loucas de Férias

Em “Streets”, Doja Cat e Christian Breslauer fazem uso das possibilidades imaginativas do devaneio urbano. “Prada/Rakata” é mais um trabalho de implosão estética trans de Arca, em parceria com Frederick Heyman. E “Cold heart” estende os braços em direção a um oitentismo cada vez mais distante e inalcançável.

Videoclipe:

  1. "Streets" - Doja Cat (dir. Christian Breslauer)
  2. “Prada/Rakata” - Arca (dir. Frederick Heyman e Arca)
  3. "Cold heart" (PNAU remix) - Elton John e Dua Lipa (dir. Raman Djafari)

Menção honrosa:

Ao curso de cinema da Universidade Federal de Sergipe. Aos seus estudantes e seus professores. Esse curso representa uma outra ideia de para quem é a universidade pública e para quem é o cinema brasileiro, muito distante da que impera no governo federal e em suas políticas públicas (ou ausência delas) hoje. O trabalho constante desses estudantes e desses professores, no entanto, indica que essa outra ideia permanece viva e que estamos prontos para trabalhar e fazer dela novamente uma política de Estado.

Listas anteriores:

Apanhado do Cinema 2020

Apanhado do Cinema 2019

Apanhado do Cinema 2018

Apanhado do Cinema 2017

Apanhado do Cinema 2016

Apanhado do Cinema 2015

Apanhado do Cinema 2014

Apanhado do Cinema 2013

Apanhado do Cinema 2012

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.