O dilema é antigo. Artistas devem ou não participar da política, dar pitacos, militar e manter posições? Por mais absurdo que possa parecer, afinal todo e qualquer cidadão deve participar dos destinos do local de onde vive, a questão que está escondida aí vem de outro ângulo: O que, afinal, ganham e o que perdem artistas que participam da política?
Chico Buarque talvez seja o exemplo mais candente. Ativista confesso, o cantor e compositor nunca abriu mão de deixar bem claras as suas posições, sobretudo em momentos agudos, como este em que vivemos agora.
Dois exemplos, cada um a seu lado do espectro, explodiram nos ultimos dias. Um deles voluntariamente, foi o caso de Sérgio Reis, que caiu em desgraça até mesmo junto ao seu público, ao proclamar uma despropositada invasão ao Senado e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
O outro, sem pedir por isso, foi o caso de Martinho da Vila. O compositor se viu obrigado a responder pergunta despropositada e deselegante da jornalista Vera Magalhães, no programa Roda Viva, da TV Cultura, sobre a participação das milícias do Rio de Janeiro nas escolas de samba, principalmente na sua Vila Isabel.
Sérgio Reis tem tanta força para confirmar seus arroubos golpistas quanto Martilho da Vila teria ingerência no que fazem ou deixam de fazer as milícias nas escolas de samba do Rio. Ou seja, nada, nem de um lado nem de outro.
Diante da tamanha repercussão negativa de suas afirmações, Sérgio Reis caiu em depressão, segundo sua esposa. Martinho, visivelmente constrangido, contornou a questão e mostrou, sem querer mostrar nada, o nível rasteiro do jornalismo que se escancarava na sua frente.
Noves fora, o que há de bom de fato nestes dois artistas passa longe destes episódios. Sérgio Reis é um dos grandes intérpretes da nossa música do campo, que a indústria insiste em chamar de “sertaneja”. Tem uma vasta discografia que deve, a despeito de qualquer declaração estapafúrdia sua, ser respeitada. Sua obra não merece suas declarações.
Martinho da Vila então, é desnecessário chover no molhado. Além de ser um dos maiores cantores e compositores do nosso gênero maior, que é o samba, ele ainda é um grande estudioso das manifestações afro-brasileiras. Uma joia rara da nossa cultura. Sua dignidade e grandeza jamais mereceriam ter que responder tal questão.
Vários artistas, entre eles o próprio Chico Buarque citado acima, já se manifestaram enfadados ao serem reconhecidos como cantores “de protesto”. É como se o fato de viverem sob um regime de exceção, e a necessidade de se colocar contra ele, acabe diminuindo a obra que fazem e tomando tempo da que poderiam vir a fazer.
Posto isto, vale ressaltar o breve verso da canção “Ele me deu um beijo na boca”, de Caetano Veloso, de seu álbum “Cores, Nomes”, de 1982: “Política é o fim”. Não se trata aqui de clamar pela alienação dos artistas, muito ao contrário. O que há, sempre haverá e resistirá através dos tempos nas obras dos compositores aqui citados – e também de tantos outros – é muito mais impregnado de possibilidades transformadoras do que os fatos políticos comezinhos.
Tudo o mais, sobra rastejante e será esmagado pela história. O local de fala dos artistas é muito mais alto.