“Tem melodia no ar, Estácio de Sá é emoção!” Viva a cultura brasileira (apesar do “ladrãozinho”)!

Na coluna de hoje, Tuta do Uirapuru relembra o desfile da Estácio de Sá em 2013, fazendo um paralelo com o desmonte da cultura no país.

Foto: Edição de Imagens.
Escrito en CULTURA el

Por Estevan Mazzuia *

O presidente da República eleito em 2018, conhecido informalmente entre os militares de alta patente como “ladrãozinho”, não mencionou o termo “cultura” no “Caminho para Prosperidade” (sic), nome de seu “plano de governo”.

Portanto, a extinção do Ministério da Cultura, no segundo dia de desgoverno do “ladrãozinho”, surpreendeu um total de zero pessoas, tratando-se de mero cumprimento da promessa de que acabaria com tudo que “não prestava” (sob seu “culto” ponto de vista, é claro). Virou “Secretaria Especial”, incorporada pelo Ministério da Cidadania, sob o comando de Henrique Pires, posteriormente demitido pelo ministro Osmar Terra(planista).

José Paulo Soares Martins assumiu interinamente, sendo substituído por Ricardo Braga, que nem esquentou a cadeira e passou o bastão a Roberto Alvim, aquele “terrivelmente cristão”, que gostava de fazer vídeos com inspirações nazifascistas, defendendo que a arte deve ser heroica e nacional, “ou não será nada”, tipo Goebbels.

Jogada que nem batata-quente, a incômoda secretaria foi parar no Ministério do Turismo, comandada por Marcelo Álvaro Antônio, que também poderá ser chamado de “ladrãozinho”, a se comprovarem as acusações de desvio de verba pública para empresas de parentes, sócios e assessores.

José Paulo Soares Martins voltou a comandar a pasta, até que a “namoradinha do Brasil”, Regina Duarte, a assumisse. Assustada (com o pum do palhaço?), a eterna medrosa pediu pra sair, não sem antes minimizar as mortes causadas pela Ditadura Militar e cantar a marchinha “Pra Frente Brasil”, numa entrevista que, infelizmente, não pode ser “desvista”, nem “desouvida”.

Eis que surge a pessoa “perfeita”: o “intelectual” Mário Frias estava há tempos tecendo loas ao “ladrãozinho”, percebendo que esse desgoverno é uma oportunidade única para inaptos terem “assesso” a cargos importantes. Semianalfabeto como tantos outros que integram ou integraram essa farândola, tem tudo para permanecer no cargo, enquanto o pesadelo brasileiro persistir.

É a cultura brasileira em “boas” mãos.

O desmonte da estrutura de apoio e desenvolvimento da cultura resulta na perda de inúmeros empregos, diretos e indiretos, comprometendo a economia do país e gerando um imenso vazio em nossa produção artística. Profissionais da área são vistos com imenso desprezo pelo “ladrãozinho”, que tem ódio profundo do conhecimento e de qualquer coisa que promova um pouco de reflexão. O motivo é claro: não há a menor possibilidade de alguém com um mínimo de espírito crítico seguir apoiando seu nefasto projeto de destruição do Brasil. E qualquer pessoa sabe que arte e cultura contribuem consideravelmente para o desenvolvimento do senso crítico. Qualquer pessoa mesmo, principalmente ele, que governa para aquela meia dúzia de fanáticos que o aguarda diariamente na saída do Palácio da Alvorada, que ele chama de “povo brasileiro”.

Embora a inércia dessa gente vá deixar feridas incicatrizáveis em nossa História, nos reergueremos. “Apesar de você, amanhã há de ser outro dia”. Sempre haverá aqueles que fazem de sua vida um sinônimo de cultura, como Rildo Alexandre Barreto da Hora.

Pernambucano de Caruaru, violonista, cantor, compositor, arranjador, maestro e produtor musical, Rildo chegou ao Rio de Janeiro com os pais em 1945, aos seis anos de idade e, ainda criança, frequentava um bar em Madureira, onde conheceu Candeia, Alvaiade e Manacéa, entre outros bambas portelenses.

Gaitista autodidata (ou “realejista”, como ele prefere), apresentava-se nas Rádios Nacional e Mayrink Veiga ainda adolescente.

Gravou um disco em 1960 e compôs “Canção que nasceu do amor”, gravada por Cauby Peixoto e Elizete Cardoso.

Como produtor musical, trabalhou com nomes como João Bosco, Martilho da Vila, Cyro Monteiro, Clara Nunes, Luiz Melodia, Guerra Peixe, Altamiro Carrilho e Sivuca, entre tantos outros. Respeitado, ganhou a alcunha de “Midas da Música Brasileira”.

Sua história ganhou a avenida em 2013: com o enredo “Rildo Hora, a ópera de um menino... No toque do realejo, segue seu destino”, desenvolvido por Jack Vasconcelos, e Estácio de Sá, ex-Unidos de São Carlos, herdeira cultural da Deixa Falar, reconhecida pelo Iphan como a primeira escola de samba do Brasil, foi a sexta escola a desfilar na noite de 8 de fevereiro de 2013, uma sexta-feira. A primeira noite do carnaval carioca daquele ano, a primeira dos desfiles das 19 escolas que formavam a recém-criada “série A”, que reunia as escolas do segundo e do terceiro grupo de 2012.

Depois de muito anos no grupo principal, onde conquistou o título em 1992, a Estácio passou por maus bocados, chegando desfilar no terceiro grupo em 2005. O tombo parecia ser o que faltava para levantar a escola, que conquistou dois títulos seguidos e voltou a desfilar entre as grandes em 2007, sendo injustamente rebaixada, ao reeditar um de seus carnavais antológicos, “O ti-ti-ti do sapoti”, de 1987. Desde então, ocupava posições intermediárias no grupo de acesso.

Eu estava nas arquibancadas em 2007 e 2013, e vi dois grandes desfiles.

Naquele 2013, a turma do Morro de São Carlos levou 2.250 componentes pra Sapucaí, distribuídos em 22 alas, quatro alegorias e dois tripés.

Muito bem vestida, com uma paleta de cores inteligentemente concebida, enfatizando o vermelho e o ouro, a escola mostrava, em seu primeiro setor, a infância em Caruaru; no segundo, a migração com a família ao Rio, pelo “mar de inspiração”; por fim, a consagração, no rádio, na TV, e como produtor, trazendo o homenageado como destaque na alegoria que encerrou o desfile.

O samba, composto por Adriano Ganso, Claudinho MS (MS de mestre-sala, função que Claudinho desempenhou nos anos 90 na agremiação, antes de migrar para a Beija-flor, onde está até hoje), Fadico, Igor Ferreira, JL Escafura, Tião e Tinga, e puxado por Leandro Santos, era um dos melhores do ano:

“Vai meu Leão do Norte a poesia da coroação / Divino dom, o som do realejo a tocar

Cifrando o grande destino de um sonhador / E vai o menino mostrar seu valor

"Inté Asa Branca", partiu pra brilhar / Navega por um mar de inspiração

Aporta nessa doce ilusão / E no terreiro / Se apaixona pelo Rio de Janeiro”

A comissão de frente fazia referência aos mamulengos, mas estava bem sinistra, com bailarinos integralmente vestidos de preto; sua longa coreografia prejudicou a evolução da escola, acarretando numa correria final que não conseguiu impedir o estouro em um minuto, dos 55 permitidos para o desfile. Isso porque a bateria acabou passando direto pelo recuo, para não atrasar ainda mais os trabalhos.

O leão, símbolo da Estácio, e do estado de Pernambuco, reinou impoluto sobre o abre-alas, num impecável dourado. As baianas, em referência à mãe de Rildo, traziam teclas desenhadas nos panos-da-costa. Ela foi a professora de teoria musical e piano do maestro.

Com um décimo de punição por estourar o tempo máximo de desfile e outros três em punição pelos jurados, a escola se classificou em quarto lugar, nada mal para um grupo com 19 concorrentes, mas insuficiente para voltar ao grupo especial, honra que coube apenas à campeã, Império da Tijuca.

Mas a classificação foi o de menos. O que fica para a história, muito mais do que os problemas com a comissão de frente e a evolução, é a beleza do samba e das fantasias, que proporcionaram um desfile à altura do homenageado.

Rildo Hora completa hoje 82 anos de vida, e recebe também desta coluna, mais uma justa homenagem.

Viva a cultura brasileira, e vida longa a todos que a ela dedicaram suas vidas!

P.S.: A coluna de hoje é dedicada às mais de 370 mil vidas brasileiras que se perderam, devido ao descaso brasileiro com a saúde, diante de uma pandemia que assola o mundo inteiro. É dedicada, também, às vítimas do massacre na Columbine High School (Colorado, EUA), ocorrido há exatos 22 anos.

*Estevan Mazzuia, o Tuta do Uirapuru, é biólogo formado pela USP, bacharel em Direito, servidor público e compositor de sambas-enredo, um apaixonado pelo carnaval.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.