Poucas vezes ou quase nenhuma na vida vi uma entrevista tão sincera quanto a da cantora Teresa Cristina no programa Roda Viva, na última segunda-feira (22). Não que a cantora tivesse revelado algo bombástico ou dito qualquer coisa que já não soubéssemos. A sinceridade, a verdade toda, que acabou transbordando em emoção, foi na maneira como ela conduziu a conversa, na forma quase amiga, ao pé do ouvido, com que ela respondeu a cada pergunta, sempre olhando antes para o lado esquerdo, ao alto, onde dizem que fica a região da memória.
Teresa Cristina acabou com o presidente Jair Bolsonaro e seu governo a cada uma de suas frases, até mesmo quando o assunto passava ao largo de qualquer governo. Disse textualmente que nem em seus piores pesadelos poderia imaginar um presidente assim, que desfizesse de uma pandemia, assoasse o nariz e, sem máscara, tocasse o ombro de uma idosa, que fizesse, enfim, pouco caso com os mortos.
Perguntada sobre seu lado romântico, sobre as canções de amor que gosta de cantar, não deixou por menos. Lascou que em tempos de gabinete do ódio, tem mais mesmo é que cantar o amor. Disse que ela era do amor e manifestou mais de uma vez profundo desprezo por bolsominions. Disse que não cantava para bolsominions.
A respeito do fato de perder de patrocínio por conta de suas posições políticas, foi mais irônica ainda e repetiu que não ia “fazer a bonita” e deixar de falar isso ou aquilo. Que esse patrocínio que se foi não era bem vindo mesmo e que, com suas posições, ganharia outros melhores.
Ela lembrou ainda que adora futebol, mas afirmou: “Deus me livre de usar uma camisa da seleção e ser confundida com essas pessoas que foram pra porta de hospitais fazer baderna”. Ao mesmo tempo em que reafirmava seu amor pelo país, insistia no profundo desprezo pelos fascistas.
Sobre os patrocínios, disse ainda, em um momento tocante, que ela e outras cantoras tinham isso em comum. Não conseguiam patrocínio. Perguntada se era pelo fato de ser negra, enumerou várias colegas negras e respondeu: “o que nós temos em comum?”
Em outro momento extremamente emocionante, Teresa Cristina se lembrou do tempo em que frequentava bailes e nunca era tirada pra dançar, por não ser considerada bonita. A cantora revelou então que com o heavy metal descobriu que poderia dançar livremente, sem par, o que a fez virar uma grande fã do gênero, sobretudo de Metallica e Van Halen.
Ainda sobre o assunto, afirmou que descobriu sua beleza nas lives que passou a fazer ao longo da pandemia, pois nelas se olhava todo o tempo. Começou então a se produzir, vestir roupas melhores, acessórios, maquiagem e até mesmo perfume, disse arrancando risos. Com uma lágrima no canto do olho, afirmou que isso ninguém, jamais, tiraria dela.
Ao final do programa, havia combinado com a apresentadora que, assim como em suas lives, iria cantar uma canção. Ainda mais surpreendente, Teresa Cristina afirmou que dedicaria a canção “a Lula, Boulos, Flávio Dino, Marcelo Freixo. Se unam deem o jeito de vocês, mas a gente precisa de vocês unidos pra derrotar esse monstro”.
Daí em diante, visivelmente emocionada, entre interrupções e soluços, cantou “De volta ao começo”, de Gonzaguinha, para a perplexidade geral.
No final das contas, logo após o programa, as redes pipocavam trechos e o Twitter explodiu em comentários. Teresa Cristina tinha conseguido traduzir, do seu jeito simples de quem faz lives com ícones da nossa música tendo ao fundo sempre o mesmo cenário do quarto do sobrinho, com uma cama e armários, o sentimento geral que perpassa a quase todos nós feito corrente elétrica.
O que o Brasil viu naquela noite foi uma cidadã brasileira de extremo talento exercendo o seu direito de expor sem medo e sem medir consequências todas as suas paixões.
Como costumam dizer, Teresa Cristina, que já era imensa, saiu ainda maior do Roda Viva.