Não gosto da música de Marília Mendonça. Não faz parte do meu universo e não tem nenhuma conexão com as coisas que costumo ouvir. Isto, no entanto, não tem a menor importância. Não há a menor sombra de duvidas que a cantora e compositora sabia, como poucos, fazer uma canção popular. Era craque nisso e os fatos e números estão aí pra comprovar.
Marília era o retrato perfeito deste mundo novo, conectado por mensagens curtas, simples e, invariavelmente, eloquentes. A sofrência – termo pelo qual é designado o estilo de música que ela compunha e cantava –, venhamos e convenhamos, não é novidade alguma. Desde os primórdios, a canção popular é basicamente construída em cima de desilusões amorosas. Que não me deixem mentir Lupicínio Rodrigues e Antônio Maria.
A própria compositora, em uma de suas inúmeras entrevistas que têm sido reprisadas, repassou a fórmula que usava: “no sertanejo as músicas têm que ser curtas. Se forem longas demais o público rejeita”.
Além disso, a cantora conta sorrindo também que alguém soprou em seu ouvido feito “praga”, quando ela ainda era bem novinha, de acordo com as suas próprias palavras, que ela largaria a MPB, gênero de que gostava, e iria passar a cantar sertanejo.
E assim foi. Marília se tornou, verdade seja dita, um dos primeiros e maiores sucessos femininos no gênero, conforme tem sido propagado aos quatro cantos desde a sua trágica morte. Já existiam a Sandy e a Wanessa Camargo entre outras, mas ela foi, sem dúvidas, a primeira a escancarar o sofrimento da mulher.
E é aí que talvez esteja o seu maior mérito. Marília se parece com várias mulheres que conhecemos, daquelas que sentam, tomam cerveja e contam sem pudor suas mazelas amorosas. Debocham da própria dor (ou sofrência, se preferirem) e manifestam sempre um grande orgulho pelas voltas por cima que dão na vida.
É difícil ver e ouvir Marília Mendonça sem pensar em várias mulheres que a gente conhece, em inúmeras histórias que a gente ouve e acompanha. Suas canções tem sabor de vingança (novamente o Lupicínio), de virada.
Tudo o que se disse sobre Vinícius de Moraes e a Bossa Nova, que resgatavam o bom gosto e a delicadeza nas relações amorosas, servia ao avesso no caso da cantora. Seus amores não tinham nada de edulcorados. Com ela não tinha nobreza. Marília queria mesmo em suas canções é que o ex-amor fosse pro inferno e carregasse a amante junto:
Iê, infiel
Eu quero ver você morar num motel
Estou te expulsando do meu coração
Assuma as consequências dessa traição
Iê, iê, iê, infiel
Agora ela vai fazer o meu papel
Daqui um tempo, você vai se acostumar
E aí vai ser a ela a quem vai enganar
Você não vai mudar
Com uma grande carreira construída em tão pouca idade e tanta coisa ainda por fazer, Marília Mendonça nos deixou de maneira trágica, comovendo o país e o mundo. Seu sorriso escancarado e redondo e sua simpatia infinita revelavam para seu enorme público uma felicidade possível e despudorada, que ficava sempre logo ali.
Gostem ou não, Marília Mendonça era única. Não há ninguém para ocupar seu lugar.