Escrito en
CULTURA
el
Quem diria, logo ele, o cantor e compositor Jorge Mautner, chegar aos 79 anos, um antes dos 80. Nas décadas de 60, 70 e 80 – e ainda hoje – nada nos parecia mais jovem e transformador do que a sua música, comportamento e figura.
O lindo bardo, judeu e filho predileto de Xangô, desde sempre nos encantou a disparar versos repletos de citações de filósofos e cânticos em ioruba ao mesmo tempo em que rasga ao meio o estabelecido e reverencia a tradição.
Sem camisa e cabelo ao vento, violino rasqueado, meio rabeca, meio Handel, canções anticonvencionais de muitas palavras e poucos acordes, prenhe de ideias e contrapontos verbais, Mautner sempre foi único. Único e jovem.
Antes de tocar e gravar canções, Mautner já publicava livros. Escreveu seu primeiro livro, Deus da chuva e da morte, aos 15 anos de idade. O livro foi publicado em 1962 e compõe, com Kaos (1964) e Narciso em tarde cinza (1966), a trilogia hoje conhecida como Mitologia do Kaos.
Além disso, dirigiu, em 1970, o longa-metragem “O demiurgo”, em que aparece como ator. Rodado em Londres, participaram do filme vários artistas brasileiros que estavam no exílio, como Gilberto Gil, Caetano Veloso, José Roberto Aguilar, Péricles Cavalcanti, Leilah Assumpção entre outros.
Numa sexta-feira nublada de verão em que o secretário de Cultura do governo vigente faz discurso plagiando Goebbels, o chefe da propaganda nazista, Mautner, o judeu errante, ainda nos sinaliza um futuro de humanidades.
Sem ser por nenhum momento panfletário, mas ao mesmo tempo ativista de primeira, Mautner nos parece muito mais o cantor do desbunde. Mas, nem por isso, deixou de compor a canção “A bandeira do meu partido”, que acabou se tornando o hino oficial do Partido Comunista do Brasil, seu partido do coração desde 1962.
Mautner é autor de clássicos inesquecíveis da nossa música que, comprovando a lenda da sua eterna juventude, vez ou outra são regravadas e revigoradas. O caso mais conhecido é o da versão poderosa de Chico Science e sua Nação Zumbi para “Maracatu Atômico”, feita em parceria com o guitarrista e compositor Nélson Jacobina, falecido em 2012.
Um de suas proezas, e sempre é bom lembrar, foi ter feito a canção “O Vampiro”, em 1959, no mesmo ano em que Tom Jobim, Vinícius de Moraes e João Gilberto viravam o Brasil do avesso com o lançamento de “Chega de Saudade”.
A composição, regravada magistralmente por Caetano Veloso na década de 70, traz um discurso extremamente moderno, com várias discussões que só vieram aflorar décadas depois, entre elas a questão de gênero.
Apesar de ter um papel fundamental e um nome guardado entre os grandes da nossa música, Mautner se manteve durante toda a carreira à margem do mainstream. Nunca fez sucesso retumbante. Nunca se ajustou às rédeas das grandes gravadoras e canais de TV.
Por isso mesmo – e também por inúmeras outras qualidades, nunca deixou de ser ele mesmo. Jorge Mautner, o compositor mais jovem e moderno do Brasil, que está a um passo dos 80 anos.
A propósito, se fosse fazer um artigo certinho, apenas aos 80 anos, não seria digno de Mautner.