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A 25ª Vara Cível do Rio penhorou R$ 79.692,90 das contas bancárias do cantor João Gilberto, de 87 anos. Ele foi fiador do contrato de aluguel de um imóvel no Leblon onde morava a ex-namorada dele, Maria do Céu Harris, que foi despejada.
João Gilberto deveria ser tombado pelo patrimônio histórico e cultural. É o maior artista brasileiro vivo de todos os tempos. Com a partida de Portinari, Guimarães Rosa, Villa Lobos e Oscar Niemeyer não sobra pra ninguém. Assim como Brasília é intocável, João também deveria ser.
João não é humano. É o inventor da nossa música popular contemporânea. Não fosse ele, não existiria Tom Jobim, Chico Buarque, Caetano, Gil, Ivete Sangalo, Anitta e o escambau. Para o bem e para o mal, João nos fez do jeito que somos.
Posto isto, qualquer necessidade sua deveria ser prontamente atendida pelo Estado, assim como uma pintura no Palácio do Itamaraty, o asfalto na Esplanada dos Ministérios, a limpeza nas obras da igreja da Pampulha e por aí afora.
Se João deve o aluguel da namorada, pois foi seu fiador, nada mais justo que o governo brasileiro pague tudo e deixe que o homem que nos fez jovens e modernos envelheça em paz. Se João quer viver trancado, recebendo suas refeições por baixo da porta, num autoexílio involuntário, que o contribuinte pague por isso.
Não fosse João e não seríamos o que somos.
Sabemos que este raciocínio, construído em vários tempos, triangulado em inúmeras filigranas, não atinge os imbecis. Dirão: “ele que se dane, é um doido”. Sem saber que foi exatamente nesta região, que beira a insanidade e a esquisitice, que João construiu sua música. O som que reúne todos os sons, desde os navios negreiros até o piano da patroa.
Idiotas jamais entenderão. Alguns recebem o que veio de João sem agradecimento. Sem ao menos saber ou perceber, feito o filho ingrato, que tudo o que faz veio dele e voará a partir dele.
Outros, muito piores, não saberão pois não sabem e nem querem saber o que é herança cultural, obra seminal, construção de uma nacionalidade. Estes preferem resolver suas pendengas à bala.
São os mesmos que votam em alguém que, muito provavelmente, teria que ser informado por um assessor de quem se trata e diria: “ coloquem esse maluco na cadeia. É um ladrão da propriedade alheia, um indecente. Deus acima de tudo e dane-se esse João”.
O Brasil moderno, aquele inventado por João, morreu. O sonho de Juscelino e Dom Bosco, a cidade moderna, o traço do arquiteto, o som suave e sincopado feito o vento e seu povo, tudo foi à breca, como se dizia.
O Estado brasileiro não é responsável por mais nada nem ninguém. Tinhorão, que acusava a Bossa Nova de copiar americanos, jamais imaginaria o tanto que nosso representante máximo, eleito feito mito, se curvaria de calças arriadas aos gringos.
Os mesmos gringos que fizeram de João, ele sim, um mito mundial. A expressão máxima de um país que poderia ter dado certo, mas parece morrer aos poucos, em estado de miserabilidade, assim como nosso cantor maior.