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“Corresponder. Corresponder a, corresponder ao, corresponder à, corresponder com, corresponder-se, co-responder... Correspondência”. Assim nasce e começa a definição do CD de estreia do compositor e professor Rodrigo Marconi, que reuniu em “Correspondência” algumas de suas dezenas de composições, presentes nos principais festivais e bienais de música contemporânea do país. De produção independente, gravado e mixado na A Casa Estúdio (RJ) e com distribuição nacional pela Tratore, o álbum reúne 6 obras, divididas em 15 faixas, considerando seus movimentos.
[caption id="attachment_165733" align="alignnone" width="300"] Rodrigo Marcon. Foto: Divulgação[/caption]
O título do disco solo registra, mais do que tudo, o diálogo de sua obra com as mais variadas expressões artísticas. “No campo das artes, correspondência significa, acima de tudo, diálogo. Diálogo que nas minhas composições atravessa o fantástico universo do poeta português Fernando Pessoa e seus heterônimos, a leitura de mundo do semiólogo francês Roland Barthes, a postura política e artística do teatrólogo e poeta Berthold Brecht e uma infinidade de outras referências que interferem, contaminam e potencializam a minha música”, ressalta Marconi e ainda complementa: “Nesse sentido, a pintura, o cinema, a fotografia e, principalmente, o teatro, a literatura e a própria música fornecem um campo fértil de intercâmbio e de inspiração para as composições no CD apresentadas, onde a intertextualidade é a motivação, o ponto de partida e de chegada. Tem sido a forma que encontrei de me corresponder com o mundo”.
Escrita para flauta, clarinete e vibrafone, “Golpes de Pequenas Solidões” é inspirada pela percepção e leitura de mundo de Roland Barthes (1915-1980), afinal, segundo o próprio, ¨a vida é assim, feita a golpes de pequenas solidões¨. Nela, os três instrumentos ora são apresentados só, introspectivos e reflexivos, cada um com sua essência e discurso, ora tocando em conjunto, dialogando, “ (con)vivendo, (co)existindo, (co)habitando, construindo, afetando e sendo afetado pelo outro. Solidões... solidão... só... ou como preferia Guimarães Rosa, Solistência, a solidão da existência de tudo que está vivo”, define o compositor.
Em “Impropérios”, escrita para vibrafone, brilha a execução de Joaquim “Zito” Abreu, em cinco pequenas peças. A música busca ressaltar uma dicotomia intrínseca na palavra “Impropérios”: ao mesmo tempo que significa um discurso ofensivo, injurioso, desrespeitoso... é também uma antífona da liturgia católica cantado durante a semana santa (hinos de louvor). Toda sua inspiração para a sua criação se baseia no extremo dessa dicotomia, onde o profano e o sagrado, o conflito e a comunhão, o terrestre e o divino se conectam através da mais corriqueira e cotidiana forma de expressão: a palavra.
O duo de flauta (Reinaldo Pacheco) e clarinete (Moisés Santos) dá cor a “Canções para os dias de Sol ou de Chuva”, escrita em três movimentos especialmente para os próprios intérpretes, amigos de Marconi. “A peça tem como objetivo contemplar o dia-a-dia, as pequenas coisas, a simplicidade de ser e estar vivo”, define o autor. A partir do violão de Fábio Adour, os três movimentos de “Brechtianas” representam uma singela homenagem a um dos mais importantes artistas do século XX, o poeta, dramaturgo e encenador alemão Berthold Brecht (1898 – 1956), que com sua produção e postura perante a arte e a vida influenciou o teatro contemporâneo, tornando-se imprescindível. Ao mesmo tempo, faz referência às “Bachianas”, a obra-prima escrita por Villa-Lobos em homenagem e devoção a Johann Sebastian Bach.
O piano de Ronal Silveira nos dois movimentos de ‘No Bosque dos Espelhos” realça o convite do ouvinte a um passeio nos labirintos do seu próprio ser. A “egotrip”, como bem conceitua Marconi, busca mostrar que é exatamente” dentro desse bosque que se escondem vários mistérios, perigos, desafios, segredos, nossas expectativas mais íntimas, experiências e os conhecimentos mais profundos”. É no bosque dos espelhos que nos colocamos em contato com o mundo interior, onde Narciso se auto-contemplava ou onde Alice, através da pena de Lewis Carroll, se questionava: “Este deve ser o bosque”, disse pensativamente, “em que as coisas não têm nomes. O que será que vai ser do meu nome quando eu entrar nele?”
O disco chega ao final reunindo flauta (Reinaldo Pacheco), clarinete (Cesar Bonan), violino (Angelo Martins), violoncelo (Luciano Corrêa) e piano (Mateus Araujo) em “Às Várias Pessoas de Fernando”, uma referência ao célebre poeta português Fernando Pessoa. “O que sempre me fascinou na vida e na obra do poeta português Fernando Pessoa foi sua relação com seus diversos heterônimos. Muito mais que um pseudônimo, os heterônimos vivem, carregam consigo suas experiências, seus dilemas, sua história. E todos eles, repletos de significações e significados, de desejos e realizações explodiam (ou implodiam, quem sabe) dentro do limite de apenas um corpo físico”. Nessa composição, o autor imaginou todos esses seres (con)vivendo dentro de um só ser, com suas relações e conflitos, seus diálogos prováveis e improváveis, suas limitações espaciais e mentais.