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Por ocasião do aniversário de Elis Regina, no dia 17 de março, seu filho, o produtor João Marcelo Bôscoli, reabriu a fita máster da canção “Casa no Campo” e a recriou com um dueto entre seu irmão Pedro Mariano e a mãe.
O truque, de certa forma antigo, foi o mesmo usado em 1992 por Natalie Cole, quando regravou o mega sucesso “Unforgettable”, com o pai já morto Nat King Cole. O resultado, muito mais afetivo do que comovente, nos traz diversas reflexões e, é claro, uma certa melancolia.
A canção de Zé Rodrix e Tavito, de 1971, gravada primeiro por Zé Rodrix, foi encontrar o sucesso apenas na voz de Elis. Com uma interpretação intensa e convincente, foi mais uma daquelas músicas que estariam completamente esquecidas não fosse pela Pimentinha.
Extremamente datada, “Casa no Campo” fala de um desejo idílico, com um tom exageradamente “paz e amor” e um tanto egoísta. Nela, o protagonista, em plena ditadura, clama por um local onde ele possa se mandar sozinho com os amigos, filhos de cuca legal, livros e discos e nada mais.
Como se não bastasse, os autores ainda pedem um canto onde possam compor “os meus rocks rurais”, uma invenção estapafúrdia da indústria fonográfica da época para vender a música caipira jovem e eletrificada do excelente trio “Sá, Rodrix e Guarabyra”.
O termo rendeu uma piada inesquecível do cantor e compositor maranhense João do Vale que, durante uma entrevista em que pediram que definisse o seu gênero musical respondeu: “Sempre cantei baião, xote, mas agora, veio um pessoal aí e disse que é rock rural. Então eu canto rock rural”, e caiu na gargalhada.
Piadas à parte, e muito distante do que seria rock rural, a versão antiga traz uma Elis Regina pulsante, com as cordas projetadas sobre um sintetizador harpischord muito usado na época. Sua interpretação nos conduz através da bela melodia e quase nos faz esquecer o contexto.
Na versão atual, João Marcelo optou por tirar tanto o sintetizador quanto as cordas do primeiro plano, numa tentativa de fazer a gravação soar um tanto menos datada. Teve sucesso. Ao mesmo tempo, a sonoridade menos grandiloquente ficou mais próxima da maneira de interpretar de Pedro Mariano, um cantor muito mais contido e low profile do que a mãe.
Outro sucesso do produtor foi a timbragem das duas vozes. Pelos quase cinquenta anos que separam as duas gravações passaram um sem fim de aparelhos, microfones, timbragens e, sobretudo, reverbs de voz. Encontrar um timbre em que o dueto parecesse convincente e não se separasse totalmente foi uma tarefa árdua e muito bem cumprida.
No final das contas, a gravação vale pelo afeto, por tudo o que Elis representou e representa ainda e, sobretudo, pela enorme honestidade artística com que os seus filhos se relacionam com o seu legado.
Ouça as duas versões abaixo: