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Que espécie de prazer sentem os componentes do bloco, para sair às ruas cantando marchinhas e sambas em exaltação a assassinos?
Por Julinho Bittencourt
Parece que a pendenga envolvendo o malfadado bloco “Porões do Dops” está resolvida. De forma liminar, é bem verdade, mas o que interessa é esta semana do carnaval. O desembargador José Rubens Queiróz Gomes, da 7ª Câmara de Direito Privado de São Paulo, proibiu, no final da tarde desta última quinta-feira (8), a realização e o desfile em local público do bloco, que tinha como objetivo exaltar torturadores da ditadura militar.
O bloco não sai. Tudo bem. Mas fica no ar uma pergunta tão mal formulada quanto mal resolvida. O que meia dúzia de garotos tem na cabeça, que espécie de prazer sentem, para sair às ruas cantando marchinhas e sambas em exaltação a assassinos?
Fantasias e adereços, folia e alegria (!?) para exaltar a psicopatia alheia e, é óbvio, a própria. Refleti, assombrado sobre as possibilidades de leitura disso. Imaginei aqueles garotos confusos, hiperativos e extremamente violentos do grupo “Direita São Paulo” nas ruas a bradar: “Alá laô ô ô ô ô ô ô, torturador ô ô ô ô ô”.
Tudo bem, carnaval sempre foi uma excelente oportunidade para a crítica, a bazófia, o escracho. Isso sempre foi o melhor da festa. A imaginação sem limites do nosso povo já levou às ruas fantasias e esculhambações que nenhum dos nossos políticos escapou. Todos sabem disso e, quem não tem competência, que não se estabeleça.
No caso em questão, do “Porões do Dops”, há a defesa do indefensável. Há, sobretudo, um profundo desrespeito à raça humana, à nossa dignidade. Os senhores exaltados no material de divulgação da infeliz iniciativa são ditos e sabidos como assassinos contumazes. Torturam, espancaram e mataram inúmeras pessoas. Muitos dos sobreviventes – e também seus parentes – estão aí ainda, com as suas dores e memórias destroçadas e nenhuma disposição para a galhofa delinquente dos componentes do “Porões do Dops”.
Por trás disso tudo, e isso é o pior, está o que vem depois. Depois deste carnaval e de muitos outros que virão. Basta uma breve busca no Google para ver quem são, como falam e a quem se dirigem os componentes xenófobos do Direita São Paulo. Em sua maioria jovens, aparecem em vídeos como o que devem ser de fato. Jovens desequilibrados, imaturos, proferindo frases confusas e incompletas que rumam, todas sem exceção, para um fim eminente que nem sempre – ou quase nunca – é anunciado, mas que está sempre presente: a violência física, a porrada, as suas “marcas da guerra”, como se referiu uma das suas militantes ao mostrar roxos na pele.
O carnaval é a manifestação da alegria do brasileiro. Uma festa incomparável e prenhe de encantamentos. Uma manifestação cultural gigantesca que nos expõe por inteiro, no que temos de melhor e pior.
Vote você no Luciano Huck ou no Lula, no Alckmin ou no Guilherme Boulos, manifeste-se à vontade, dentro e fora do carnaval. Lutamos nós e muitos dos nossos por décadas para garantir este direito.
Mas direito, como repete o jargão, é exatamente aquilo que termina onde começa o do outro. E o do outro não é, não será e nunca poderá ser o de enfiar a cabeça de alguém num balde, pendurar num pau de arara, dar choque nos órgãos genitais ou qualquer outra coisa que o valha.
Como quer ter direito a impedir o direito do outro?
Sempre bom lembrar o paradoxo de Caetano Veloso, proibido por vaias de cantar a canção “É Proibido Proibir”, em 1967, se perguntar: “Que juventude é essa?”
Imagem: Reprodução