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[caption id="attachment_145900" align="alignnone" width="700"] Foto: Divulgação[/caption]
Por André Diniz*
“A maior invenção do homem é a roda. A segunda é a roda de samba”. (Luiz Carlos da Vila)
“Feliz Natal”, despediu-se de mim Luiz Carlos da Vila, naquele final de tarde, usando o seu bordão predileto em qualquer época do ano. Era sempre assim. Luiz aparecia do nada para me visitar, em Niterói. Chegava de táxi, entrava no meu gabinete, levava uns dez minutos falando e voltava para o mesmo táxi para a Vila da Penha. “Já vai, Luiz? Fica mais um pouco...” Esse era o Luiz, agitado, surpreendente e genial.
Genialidade que o compositor e melodista de mão cheia demonstrou em sua trajetória artística. A composição do clássico samba-enredo “Kizomba” (festa, celebração no idioma quimbundo, falado no Congo e Angola) não fugiu ao roteiro dos imprevistos a bordo de um táxi, em 1988: Luiz pegou o amarelinho na Vila da Penha e rumou para a casa de Rodolpho, onde também estava o compositor Jonas. Ao chegar no endereço, virou para o motorista, “me espera uns minutos que preciso fazer uma música com os parceiros”. Meia hora depois, voltou Luiz com melodia e letra prontinhas que levariam a Vila Izabel a ganhar o título de campeã do carnaval na Sapucaí.
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Luiz Carlos da Vila, ou das Vilas, como gostava de chamá-lo Nei Lopes, é um dos principais nomes da geração Cacique de Ramos, primeiro grupo de compositores de samba que surge à margem das escolas. O Cacique é um bloco fundado no começo dos anos 1960. No final da década de 1970, um grupo de amigos resolveu organizar, às quartas-feiras, uma pelada regada a churrasco, cerva e, claro – com o tempo –, um samba de fundo de quintal. Nascia aí o seminal pagode (festa, encontro, reunião de sambistas) do Cacique de Ramos, que influenciaria a formação de outros espaços de samba na cidade e nos legou compositores do mais alto padrão na história do gênero: Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Beto sem Braço, Jorge Aragão e o boleiro e botafoguense, Luiz Carlos da Vila.
A nova geração do samba trouxe uma instrumentação diferenciada para o gênero: o banjo, com braço de cavaquinho, foi popularizado por Almir Guineto; Ubirany passou a tocar um repique fechado em um dos lados e Sereno lançou mão do tantã tocado deitado, substituindo o velho surdo de marcação.
É nesse terreiro que Luiz desponta, sobretudo quando a madrinha do pagode, Beth Carvalho, grava sua primeira canção de sucesso, “O sonho não acabou”. Foi debaixo das tamarineiras – árvore que, segundo a tradição, realiza pedidos de pessoas que por ela passam – do cacique, bebendo uma cerveja com Ubirany, que nosso personagem compôs o hino de uma geração extremamente talentosa, “Doce refúgio”:
“Sim, e? o Cacique de Ramos
Planta onde em todos os ramos
Cantam os passarinhos nas manhãs”.
Essas e outras deliciosas histórias estão no livro “Princípio do infinito, um perfil de Luiz Carlos da Vila”, escrito por Luiz Antônio Simas e Diogo Cunha, primeira biografia do compositor Luiz Carlos da Vila, produzida pela Arte-Fato e lançada pela Editora Numa. Os autores já são conhecidos pelo público que acompanha a literatura musical carioca. Simas, inclusive, é detentor de destacados prêmios nacionais, como o Jabuti, em parceria com Nei Lopes (“Dicionário da história social do samba”), e o Prêmio Edison Carneiro (“Titias da Folia”).
Com a apresentação do mestre Aldir Blanc e o luxuoso traço de Melo Menezes na capa, o livro é muito mais uma história de Luiz com a cidade do Rio e o seu processo de criação do que uma biografia tradicional. Segundo Simas, “o objetivo foi pensar o poeta na cidade. Como Luiz Carlos e o subúrbio carioca estão amalgamados: Ramos, Vila da Penha, os quintais, as festas, as escolas de samba, o futebol... Acho mesmo que Luiz é uma espécie de guia condutor para um mergulho numa história afetiva da aldeia carioca. Ao mesmo tempo, o livro busca colocar Luiz Carlos em uma posição de protagonismo na história do Samba. Foi compositor de partido-alto, samba de terreiro, samba-enredo, intérprete consistente, fez o diálogo entre o samba mais tradicional e a revolução promovida pelo Cacique de Ramos”.
Leitor contumaz de Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa, Luiz Carlos é de fato o poeta do samba, mesmo que rejeitasse a ideia de ser poeta, argumentando que apenas traduzia as imagens para o papel. Será? Como dizem os autores, “esse Luiz que não se dizia poeta foi capaz de pintar ‘uma oitava cor num arco-íris’, de plantar ‘num xaxim um baita de um jequitibá’ e até mesmo de definir a paixão como um ‘trinco de estranha fechadura’ e um ‘cinco que não cabe na mão’”.
Em 2018 faz dez anos que Luiz Carlos partiu, com apenas cinquenta e nove anos de idade. Nada melhor que lembrar sua memória tendo em mãos esse livro de Simas e Cunha. Após a saborosa leitura, abra uma cerva, prepare uns petiscos, ponha Luiz na “vitrola” e feliz natal!
“Princípio do Infinito, um perfil de Luiz Carlos da Vila”, Editora Numa, 30 reais.
Lançamento em 15 de dezembro, na Livraria Folha Seca, rua do Ouvidor, 37, centro do Rio, às 14 horas, com direito à roda de samba.
*André Diniz é historiador e autor de “Noel Rosa, o poeta do samba e da cidade” (Casa da Palavra), e “Almanaque do Samba” (Zahar)
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