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O que dá o tom para o disco, além das ótimas composições do violonista Canduta e os seus arranjos certeiros, é a perfeita combinação entre ele e a flautista Débora.
Por Julinho Bittencourt
A boa notícia pra quem gosta de choro do bom é que acaba de ser lançado “Entidade”, o primeiro disco do duo Choro de Bolso, formado pelos santistas Débora Gozzoli e Marcos Canduta. Logo de cara, chama a atenção o lindo projeto gráfico assinado por Marcelo Pestana e Carlos Cirne, com fotos de Kelly Petraglia. Assim como na música, a capa nos chama a atenção paro o que vai dentro, ou seja, a dualidade entre tradição e modernidade, onde cores vivas se misturam com o sépia e sons de antigamente se fundem a outros modernos.
O que dá o tom para o disco, além das ótimas composições do violonista Canduta e os seus arranjos certeiros, é a perfeita combinação entre ele e a flautista Débora. Os dois tocam juntos há várias décadas. Conseguiram com isso algo raro, que os músicos chamam de interplay e é, simplificando aqui entre nós, um perfeito entrosamento.
O sopro preciso, suave e firme da flauta é pontuado pelo violão inusual e criativo, onde predominam baixos quase como um sete cordas, que são sempre quebrados por dissonâncias e um acento um tanto mais sincopado. O resultado final é único. De fato, uma entidade, nome referência ao duo.
Logo de saída, o choro/maxixe “Calladinho”, feito o dedo do gigante, dá o tom do disco. Apenas com os dois protagonistas – violão e flauta – a bela melodia apresenta o álbum. Em uma conexão quase direta entra “Espumante”, um tanto mais moderna, a sinuosa linha acrescenta apenas o pandeiro preciso de Kleber Serrado.
A primeira parte da faixa-título “Entidade” é apresentada apenas pelo violão de Canduta. Na repetição, a entrada da flauta reabre o choro que havia dado espaço para um acento com ecos hispânicos. A única composição de Débora Gozzoli é a bela valsa “Partida”, que se abre em uma aparente simplicidade, para se desdobrar em uma intrincada trama, muito bem desenvolvida pelos dois instrumentistas.
O choro “O Doutor e a Professora” é alegre e invade o disco feito um dia de sol, com o duo conduzido pelo pandeiro de Edinho Schimdt. Logo em seguida, “Momentos” chega cheia de surpresas e instrumentistas, com destaque para o bandolim de Aleh Ferreira e o cello de Pablo Peres. “Esperando” é outro belo choro de Canduta que volta ao formato de duo, com uma breve e bela exposição melódica de violão no meio.
“Rosa Branca” é a primeira canção do disco. Com linda letra de Paulo Maymone, é um samba suingado em homenagem à Iemanjá, gravado de forma econômica, mas que faz imaginar também tantos outros arranjos. “Docinho” chega com uma grata surpresa que foge ao estilo predominante. É uma melodia terna e quase infantil, onde todas as vozes são executadas por flautas dobradas por Débora.
Em “Valsa Afetiva” o Choro de Bolso recebe o duo de violões Siqueira Lima e, mais uma vez, Aleh Ferreira. O encontro, melodioso e rico, é muito bem explorado pelo arranjo de Fernanda Lima repleto de cores. Com o incrível pianista André Mehmari, o duo gravou “Tatu Voltou”, um dos pontos altos do álbum, onde piano, flauta e violão se perseguem e se reencontram alternadamente num lindo efeito.
“Dolente” é outra bonita melodia de Canduta, onde os dois voltam a brincar com o cello de Pablo e o bandolim de Aleh. A seguinte é mais uma canção, desta vez com letra de Manoel Herzog, chamada “Valsa Noroeste”, típico evento do litoral que vira uma agridoce melodia de amor belamente interpretada por Mateus Sartori.
A alegre “Sortuda” conta com a participação do arranjador e compositor Lincoln Antônio e, em clima de festa chama o final, com a bela homenagem “Na Realejo”, conhecida livraria de rua de Santos, onde o duo se apresenta há muitos anos. A letra de Manoel Herzog chega vestida pelo choro de Canduta, que conta ainda com a participação do acordeon de Leandro Gomes e a voz e o pandeiro de Kleber Serrado.
No final das contas, o que dá mesmo vontade quando “Entidade” chega ao final é voltar ao começo e ouvir tudo de novo.
Foto: Capa/Reprodução