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Este artigo foi publicado originalmente há cinco anos, quando Milton completou seus 70 anos. O autor não muda uma vírgula, além do fato do presente ter se prolongado por mais cinco anos. E que venham muitos mais
Por Julinho Bittencourt
Há setenta e cinco anos o Brasil e o mundo ganhavam Milton Nascimento de presente. Quis o destino que um menino pobre do Rio de Janeiro, filho sem pai de uma empregada doméstica completamente sem recursos, fosse entregue para adoção a um casal cuja mãe era professora de música e o pai dono de uma estação de rádio. O acaso transformou a desventura na própria música em si. A maior expressão das nossas Minas Gerais. Um cantor e compositor incomparável, enfim, um dos maiores artistas do mundo contemporâneo.
Tudo o que se disser a respeito de Milton pode (e vai) parecer exagero. A sua música é de tamanha originalidade que chega a desafiar os sentidos de quem ouve. Adivinhar de onde vem cada nota, cada arranjo, cada expressão de sua música é adentrar num Brasil que está muito além deste que está posto. Um país que mergulha nos seus sertões e seus sons de carros de boi e trens de ferro. Um país com interlocução direta com toda a América Latina, Caribe, África e Hemisfério Norte. Um som que não conhece fronteiras, que não tem medo de ser do mundo, ao mesmo tempo em que parece nunca ter saído da frente da igreja matriz de Três Pontas.
Na medida em que construía seu caminho, primeiro em Belo Horizonte, depois no Brasil e, logo mais além, no mundo, Milton encampou tudo o que viu e ouviu. Suas toadas feitas um tanto do barroco mineiro quanto das violas e batuques dos sertões das Gerais passaram a conversar desde sempre com as sétimas e nonas aumentadas de Tom Jobim, do jazz e do mundo. Seu sexto sentido deixou entrar sem medo o frescor e a juventude das guitarras dos Beatles, pelas mãos dos meninos Beto Guedes e Lô Borges.
Com uma espantosa ausência de medo e preconceitos, Bituca seguiu (e segue até hoje) construindo a sua música feita de gente de todas as partes, com grandes partes de peculiaridades próprias, o que sem elas não haveria sentido algum. É dono de uma voz maravilhosa, pra dizer o mínimo. Como dizia a amiga Elis Regina: “Se Deus tivesse uma voz seria a de Milton Nascimento”.
Não bastasse isso, o que já lhe bastaria para ter sido o maior cantor do Brasil de todos os tempos, Milton reinventou o jeito de se fazer música brasileira a partir de inúmeros outros jeitos. Não há uma fórmula para a estrutura de suas composições. O que ele faz é único a cada vez que faz. Quando começamos a traduzir a riqueza rítmica e melódica de “Cravo e Canela”, por exemplo, ele nos expõe os acordes abertos de “San Vicente” ou a liberdade Beatle de “Nada Será como Antes”.
Tudo é surpresa sem fim em sua música. Entre as décadas de 60 e 70 gravou a quintessência de sua obra. Nunca mais, nem ele e nem ninguém, fez discos tão relevantes quanto aqueles que vão do seu primeiro “Travessia”, de 1967 até “Clube da Esquina 2”, de 1978. Neles está a sua obra seminal, o que fez de Milton Nascimento o que ele é e, de certa forma, o que é a nossa música popular brasileira contemporânea.
A partir disso prosseguiu gravando obras de grande expressão, algumas vezes geniais também, feitas para grandes mercados mundo afora e é, até hoje, um dos maiores artistas do mundo. Nesta quinta-feira, 26 de outubro, fez setenta e cinco anos que o acaso nos trouxe este garoto, que veio para nos traduzir.
Foto: Divulgação