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Vale ouvir “Outro Lugar” repetidas vezes, se jogar nas teias aparentemente simples dos arranjos, na construção mínima de instrumentos e canto, a economia de cantos e sons, palavras e a rara limpidez com que tudo resulta
Por Julinho Bittencourt
Tetê Espíndola acaba de lançar, três anos após o seu último, Asas do Etéreo (2014), um novo disco de inéditas: “Outro Lugar”. Sobre o álbum, a melhor definição é da própria cantora:
"Cada um de nós tem que encontrar um lugar ou lugares dentro da gente mesmo, pode ser na loucura da cidade ou no meio da natureza. Encontrar a tranquilidade dentro de si mesmo. É a sina de todo ser humano, encontrar o seu lugar e a paz interior".
A letra da canção título, de autoria de Arnaldo Black – o mesmo autor da lendária “Escrito nas Estrelas” – dá as pistas do processo de interiorização da cantora:
Não sou daqui nem sou de lá
Sou sempre de outro lugar
Mas o que sou é onde estou agora
Na lagrima no riso que aflora
Não sou do rio nem sou do mar
Sou sempre de outro lugar
Mais interior por esse amor afora
No seu abraço de sabiá e amora
“Outro Lugar” é o seu 18º disco de carreira, com 12 canções inéditas, uma mais bonita que a outra, todas composições de Tetê com parceiros como Marta Catunda, Bené Fonteles, Arrigo Barnabé, Geraldo Espíndola, Philippe Kadosch, Luisa Gimenez, Manoel de Barros, em poema musicado pela cantora e Arnaldo Black.
As composições de Tetê têm um sabor próprio. Ela carrega uma grande influência da música do Mato Grosso do Sul, das guarânias e dos rasqueados de viola. Tem a mesma célula, vem do mesmo embrião que Almir Sater, Helena Meirelles e tantos outros artistas, mas ao mesmo tempo traz em si um componente extremamente moderno e ousado.
É sempre bom lembrar que Tetê é o mais bem-sucedido dos artistas da propalada Lira Paulistana, do qual fazia parte. Vencedora da edição de 1995 do Festival dos Festivais da Rede Globo, nunca sucumbiu ao sucesso fácil. Continuou fazendo discos como sempre fez e este é um ótimo exemplo disso.
Suas melodias são extremamente elaboradas, sempre no manto cristalino e firme que constrói sobre a craviola, inusitado instrumento criado por Paulinho Nogueira, que tem em Tetê um de seus maiores adeptos. O som do instrumento é primordial para a sua canção, que fica ali mesmo entre a viola caipira e os sons ancestrais do cravo. Tetê nos traz o velho e o novo, o tradicional e o moderno com grande naturalidade.
A capa é um caso à parte, onde a orgulhosa mamãe teve a concepção da filha, a cineasta Patricia Black que, além do lindo ensaio fotográfico, fez também o conceito e a direção de arte ao lado do designer Uibirá Barelli.
A direção musical é de Sandro Moreno, Adriano Maggo e Tetê. Produzido pela LuzAzul, o disco foi gravado em Campo Grande (MS), sua terra natal, em São Paulo e finalizado em Paris, com o francês Philippe Kadosch.
Vale ouvir “Outro Lugar” repetidas vezes, se jogar nas teias aparentemente simples dos arranjos, na construção mínima de instrumentos e canto, a economia de cantos e sons, palavras e a rara limpidez com que tudo resulta.
“Outro Lugar”, de Tetê Espíndola, com o perdão do trocadilho, coloca a artista no mesmo lugar onde sempre esteve e que, contraditoriamente, é o da inquietação e da busca pelo belo. E que, das mais variadas maneiras, ela sempre encontra.
Fotos: Patricia Black