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CULTURA
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A primeira a ser cortada em qualquer orçamento é sempre a cultura. Governos tucanos, no entanto, têm provocado um desmonte nunca antes visto no setor. Acabaram com a Sinfônica de São José dos Campos, com as atividades das Oficinas Culturais Pagu, em Santos, cortaram o carnaval de São Luiz do Paraitinga, o prefeito de São Paulo apaga grafites entre outros. Mas, afinal, por que e pra que a cultura é tão importante nas nossas vidas e por que ela é sempre alvo preferencial dos fascistas? Leia aqui.
Por Julinho Bittencourt
Em tempos de crise, como neste agora, a discussão sempre volta. É preciso cortar? Então que se corte na cultura. Governos de vários matizes procedem basicamente da mesma forma na hora em que a coisa aperta. Se não temos para comprar remédios, professores e comida, como vamos pagar uma orquestra?
A resposta não é nem um pouco fácil. Mas ela existe.
O primeiro e mais básico de todos os erros está em tentar consertar o barco no momento do naufrágio. A metáfora que melhor ocorre é a de um corpo onde precisamos extirpar um órgão. Não pode ser o cérebro, nem o coração, melhor que não sejam as mãos. Então, que lhe arranquem a alma, ou seja, aquilo que o faz ser o que é.
Em governos fascistas, autoritários, a opção clara é por cortar aquele que pensa, transgride, transforma e reinventa o mundo, ou seja, o agente cultural, artistas e pensadores.
Em casos extremos, de vida ou morte, admitamos que a operação mantenha ao menos a sobrevida. O grande xis da questão é que esta virou a regra e não a exceção. Dentro do orçamento nacional a cultura representa menos de 1%. O mesmo acontece com os estados e todas as cidades do Brasil.
Como bem disse o ex-ministro da cultura Juca Ferreira, diante de mais uma facada, “cortar de um corpo gordo, que tem sobras, muitas vezes é insignificante. Cortar de um magro pode significar a sua morte”.
A cultura e, consequentemente, as manifestações artísticas são os elementos que identificam este corpo, a sua alma. São o seu CPF. Insisto no ser como algo que vai além do objetivo. Não basta ser. É preciso existir.
E, para isso, há de haver o que o represente e o signifique. Desde a arquitetura de suas ruas, os cortes das roupas que veste, as cores que habitam a sua vida, os sons e as canções, enfim, tudo o que não pode ser medido, mas é sentido e nos dá sentido. Enfim, o que é imaterial.
Maior ou tão grande quanto isso é a transmissão do mesmo. É o que deixamos de mais sólido, apesar de nunca poder ser tocado. Transmitir o conhecimento diário, as fábulas, histórias, formas musicais, livros, linguagem, a língua, é o existir após a existência. É deixar o que veio antes para os que vêm depois.
Muito ainda haverão de dizer que este corpo existe para além dos cortes, dos governos, ministérios e secretarias. É verdade. O corpo da cultura sobrevive sim, é muito mais forte do que todas as forças que se opõe a ele e sobrevive. Da mesma maneira que sobrevivem as crianças as mulheres e os homens de Aleppo. Nem por isso a guerra e os seus genocídios são justificáveis e necessários.
Necessitamos ser plenos, de uma vida plena.
O investimento, mesmo que mínimo, em cultura é transversal ao da educação e coadjuvante na saúde. É um grande antídoto contra a violência. Quem consome e produz cultura enxerga e compreende melhor o mundo à sua volta e, consequentemente, cuida melhor dele. Torna-se solidário. Quem aprende a amar Bach, aprende a amar a humanidade. Quem pensa a arquitetura exige abrigo e aconchego.
Aqueles que detêm o poder político e, sobretudo, o econômico, muito mais do que usurpadores do processo, também serão vítimas dele. Quando se virem cercados por uma horda de gente desinformada, sem princípios e sem sonhos perceberão que não haverá mais ninguém para consertar o próprio barco. Não haverá mais nenhum corpo valho.
E afundaremos todos.