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Única brasileira a se apresentar no primeiro festival de hip hop feminino da América Latina, Luana Hansen fala sobre arte como instrumento político e critica o golpe em curso no Brasil
Por Mariana Gonzalez
Em dezesseis anos de carreira, Luana Hansen passou por muita coisa. Ouviu que precisava usar roupas mais curtas para ganhar espaço, levou mais de dez anos para gravar o primeiro CD e, em 2015, teve de deixar o palco da Parada LGBT de São Paulo ao cantar sobre legalização do aborto. Essas histórias dão uma pequena amostra de como é incômoda a presença de uma rapper lésbica e feminista no centro do palco. É esse o maior agravante do trabalho de Luana - o engajamento. No microfone, ela dá ritmo a assuntos sérios, que vão da cultura do estupro ao atual cenário político, que ela classifica como “misógino, neoliberal e totalmente conservador”.
É com essa bagagem que Luana voa para Cuba no próximo dia 15. Única brasileira selecionada para participar do primeiro festival de hip hop feminino da América Latina, o Somos Mucho Más, ela garantiu as passagens por meio de um financiamento coletivo - que ainda está recebendo contribuições.
“O evento vai promover o trabalho de mulheres que usam a música para fazer política. Minha ideia é não só representar o que estamos produzindo no Brasil como unir forças com essas outras tantas artistas que vão se apresentar por lá”, conta.
Mas essa não é a primeira vez que o hip hop cubano atravessa o trabalho da brasileira. Em 2014, ela gravou a música “Ya Tulo Sabe” com o grupo Krudas Cubensi que, desde a sua formação, nos anos 1990, levanta as bandeiras dos movimentos negro, feminista e LGBT. Agora, no Somos Mucho Más, ela retoma a parceria com o país caribenho e quer voltar ao Brasil com pelo menos duas novas faixas. “Vamos ficar quatro dias juntas em um alojamento. Imagina o que a gente não pode compor e gravar durante as madrugadas”.
Casa aberta
“Quantas rappers brasileiras você conhece que estão cantando sobre feminismo, racismo e lesbofobia em uma mesma letra? Eu não quero ser a única. Pelo contrário, eu quero que ver muita mina produzindo coisa boa neste país”. E foi pensando justamente em mulheres e LGBTs que Luana instalou um estúdio dentro de sua casa, no bairro de Pirituba, zona oeste da capital paulista.
“Ainda não está do jeito que eu quero, falta equipamento, mas dá para trabalhar”, conta. Prova disso é que, em quatro anos de funcionamento, o E.S.A.P.A.S. - Estúdio de Sons Alternativos Para Aterrorizar o Sistema - já lançou nomes como Shanawara, Lunna Rabetti e MC Linn da Quebrada.
“Homem nenhum vai colocar dinheiro em uma música que fala sobre a Lei Maria da Penha, a legalização do aborto e o genocídio da juventude negra. E é justamente essa a ideia do estúdio: ser um espaço em que artistas possam gravar livremente”. A previsão para os próximos quatro anos? “Vai crescer e virar um selo fonográfico. Quem sabe até uma rádio, para tocar rap feminista o dia inteiro. Mas isso a gente vai fazendo devagarzinho”.
Golpe
Tanto o estúdio quanto as composições de Luana vivem um momento de ascensão - assim como o conservadorismo político. Levantar bandeiras tão pouco representadas no Congresso Nacional não é exatamente um trabalho simples e, por isso, esbarrar na política é inevitável.
“Mesmo que meu CD tenha uma música falando de amor, vai falar sobre o amor entre duas mulheres. E isso, por si só, já é um ato político”, explica.
A extinção dos ministérios da Cultura, dos Direitos Humanos, das Mulheres e da Igualdade Racial afeta diretamente todas as áreas pelas quais transitam as composições de Luana. “É desse universo que eu venho e é disso que eu vivo. Como eu vou trabalhar se as pessoas que ocupam os espaços de poder são, de certa forma, contrárias ao que eu faço? ”, questiona.
Além dos shows e das gravações no estúdio, Luana faz questão de estar presente em debates e eventos políticos contrários ao golpe. No início de julho, por exemplo, ela participou do encontro da presidente eleita Dilma Rouseff com eleitores de São Paulo. “O ódio que caiu em cima dela foi misoginia, isso a gente tem que reconhecer. E se a Dilma sair desse processo considerada culpada, vai levar mais cinquenta anos para uma mulher chegar à presidência de novo”.
“Eu estou em espaços políticos porque eu preciso estar. Homem nenhum vai me representar nem na política, nem na arte. Homem nenhum vai aprovar a legalização do aborto. Homem nenhum vai colocar dinheiro em música que aterroriza o sistema. E é isso que eu vou continuar fazendo - no Brasil, em Cuba e onde mais for necessário”, pontua.
Foto: Reprodução Facebook DJ Luana Hansen