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Segurando chicotes e acessórios eróticos, a educadora sexual Patty Kirsche ensina, em vídeo, tudo sobre sexo sem tabus e sem machismo
Por Jarid Arraes
Esta é uma matéria da Fórum Semanal. Confira o conteúdo especial da edição 212 clicando aqui
Uma câmera, um cenário caseiro e um chicote na mão. É assim que a escritora e educadora sexual feminista Patty Kirsche introduz um dos vídeos de seu canal no Youtube, onde fala sobre spanking erótico - o ato de bater com acessórios ou com as próprias mãos, como palmadas, para provocar sensações sexuais. O interesse de Patty por BDSM (Bondage e Disciplina; Dominação e Submissão; Sadismo e Masoquismo) se misturou com o interesse por histórias com vampiros e outros seres sobrenaturais, um encontro que também resultou na publicação de seu livro "Doce Ardor", que conta com uma protagonista forte e cenas eróticas com fetiches de dominação.
Patty entende muito bem sobre o que fala: entre vídeos sobre sexo grupal, sexo na menstruação e vibradores, Patty lança debates importantes sobre relacionamentos abusivos e questões de gênero, provocando reflexões sobre o machismo e a repressão sexual. Sem tabus, sua iniciativa mostra como as redes podem proporcionar um ambiente acessível para conversar sobre temas vedados na grande mídia - e, no caso do canal de Patty, sem o risco de se deparar com informações equivocadas e irresponsáveis.
Além dos vídeos e textos que ela produz, a educadora sexual também atende pelo Skype, dando assistência a pessoas que desejam orientações sobre sexualidade ou simplesmente de uma boa conversa que as ajude a questionar indícios de abuso em seus relacionamentos. Um trabalho que já tem feito diferença na vida de muitas mulheres.
Em entrevista à Fórum, Patty Kirsche falou um pouco sobre seu trabalho envolvendo feminismo e sexualidade. Confira:
Revista Fórum - Como surgiu a ideia de criar um canal no YouTube para falar de sexualidade?
Patty Kirsche - A ideia surgiu quando comecei a tirar dúvidas de amigas e amigos sobre sexualidade. O pessoal gostou tanto que sugeriu que eu fizesse um vlog. Como eu havia visto um vídeo da Laci Green que mostrava de forma concreta como é o hímen, pensei em começar fazendo um que explicasse isso em português.
Eu sempre me interessei por sexualidade, imagino que pelo fato de ser um assunto muito controverso e profundamente atrelado à sujeição das mulheres, tanto que minha dissertação de mestrado é centrada em como a sexualidade feminina aparece em produtos culturais.
Fórum - Nos seus vídeos, você fala também sobre BDSM. Por que é importante falar sobre o BDSM de maneira educativa?
[caption id="attachment_72082" align="alignleft" width="200"] "Doce Ardor", publicação independente de Patty Kirsche[/caption]
Kirsche - BDSM está muito relacionado a um lado mais obscuro da psique humana, que envolve o prazer paradoxal com o horror. Eu sempre gostei de vampiros e outros seres sobrenaturais devido à mistura de erotismo e horror que costumam representar. Também acho que entender BDSM torna mais fácil entender muitas representações das relações humanas.
É importante falar sobre BDSM por várias razões. Primeiramente porque os fetiches são incrivelmente comuns e muita gente pode se machucar praticando de forma irresponsável. Também porque é importante tirar o estigma de "doentes mentais" de quem pratica BDSM, o que acarreta muito medo, vergonha e discriminação.
Fórum - Algumas correntes feministas consideram que o BDSM é incompatível com o Feminismo. O que você pensa a respeito? Qual a relevância do BDSM para o Feminismo?
Kirsche - Eu não vejo como o BDSM seria incompatível com feminismo, visto que os papéis representados pelos participantes não são fixados pelo gênero. Inclusive, existem homens que pagam dominadoras profissionais, que são profissionais do sexo, para realizar suas fantasias de submissão e masoquismo. Ou seja, homens contam com o privilégio de ter condições de fazer o papel de submisso com relativa segurança e privacidade, o que mulheres, via de regra, não podem fazer.
É claro que, quando se analisa algumas práticas BDSM, como a feminização, por exemplo, percebe-se que é considerado humilhante para o homem ocupar um papel feminino. Só que o feminino ser considerado inferior não é uma característica do BDSM em si, mas da cultura na qual está inserido.
Eu acho que é um tema relevante no que se refere a sexualidade - e sexualidade é um tema relevante para o feminismo, porque a maioria dos cerceamentos que mulheres sofrem envolvem a questão sexual. A sexualidade feminina tem sido controlada desde o advento do patriarcado, há cerca de cinco mil anos. No início do século XX, havia até "embasamento científico" para justificar o quão danosa a sexualidade feminina poderia ser para a sociedade como um todo.
Muitas mulheres feministas entram em contato comigo porque têm vergonha de suas fantasias de submissão. É claro que isso causa um sofrimento. Uma sexualidade saudável é parte de uma personalidade saudável.
Fórum - Como você avalia as discussões sobre sexualidade na sociedade e no ativismo feminista?
Kirsche - Na sociedade brasileira em particular, [sexualidade] é um assunto completamente tabu. Já recebi mensagem de adolescente que pensa que tomar uma pílula anticoncepcional na véspera da relação é suficiente para impedir uma gravidez indesejada. O desconhecimento é muito grande e isso é um grave problema de formação. Não saberia dizer no feminismo como um todo, mas posso afirmar que participei de discussões muito interessantes em ambientes feministas.
Fórum - Como tem sido o retorno das pessoas que acompanham seu canal?
Kirsche - Às vezes, aparecem alguns comentários preconceituosos, mas, no geral, tem sido bom. Muita gente entra em contato para agradecer por eu ter falado sobre desejos dos quais tinham muita vergonha, ou para pedir que eu aborde algum assunto. Muitas mulheres me agradecem porque se descobriram em relacionamentos abusivos após terem visto algum dos vídeos ou lido algum de meus textos.
Fórum - Você tem novos planos para o canal?
Kirsche - Atualmente, estou gravando entrevistas com colegas que pesquisam questões de gênero para difundir informações de outras pesquisas. Em breve, penso em fazer séries de vídeos com análises de livros acadêmicos. Também pretendo propor um financiamento coletivo com objetivo de comprar uma nova câmera, na qual exista entrada para microfone, e um microfone, pois a parte do áudio é a mais difícil de melhorar de forma amadora.
Fórum - Como funciona o seu atendimento como educadora sexual pelo Skype? Que tipo de assistência você oferece?
[caption id="attachment_72085" align="alignright" width="300"] Patty Kirsche em seu vídeo sobre spanking erótico (Imagem: Arquivo Pessoal)[/caption]
Kirsche - Eu recebia muitas dúvidas por e-mail, que sempre procurei responder da melhor maneira possível. Mas cheguei à conclusão de que era um atendimento muito limitado, então resolvi disponibilizar um novo canal de atendimento. O objetivo da assistência é tirar dúvidas e prestar orientação sobre questões sexuais em geral, incluindo questões de gênero, orientação sexual, fetiches, métodos contraceptivos e aconselhamento emocional sobre relacionamentos, abrangendo pessoas em relações abusivas. É importante ressaltar que meu atendimento não é de cunho medicinal, mas informativo. Inclusive oriento que as pessoas procurem profissionais da saúde de acordo com as queixas que trazem.
Quem me procura, em geral, são pessoas com fantasias sexuais secretas das quais se envergonham bastante, pessoas com problemas de relacionamento, e adolescentes com dúvidas sobre métodos contraceptivos.
Fórum - Informações de qualidade sobre sexualidade fazem diferença no combate ao machismo?
Kirsche - Eu acredito que tornar meninas e mulheres mais informadas sobre relacionamentos e sexualidade pode empoderá-las muito, pois grande parte da violência cometida contra as mulheres é sexual ou acontece em relacionamentos. Alguns dos dados que me ajudam a perceber como a sexualidade das mulheres é reprimida são as estatísticas de meu canal, pois cerca de 65% dos acessos logados são efetuados por pessoas do sexo masculino. Ou seja, homens buscam mais informação sobre sexo, o que reflete um grande desinteresse das mulheres, consequência de muita repressão e violência.