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Um pano, artesanato, a pé, de bike, de carona, não importa como. Quando chegam a uma cidade é para a “pedra de maluco” que eles vão. Assim é chamado o local onde os “hippies” expõem seus trabalhos feitos com arame, cerâmica, sementes, cascas, penas, madeira, entre outros materiais.
Embora conhecidos como hippies, não é assim que eles se reconhecem. “Desfolclorizar” esse “hippie” brasileiro é o que faz o documentário “Malucos de Estrada”. “O maluco é um canibal cultural, um antropófago. Seu caminhar, sua rota o define. As culturas com as quais têm contato, as diferentes pessoas que atravessam seu caminho, as geografias que ele percorre, tudo isso cria um ser único, paradoxal e multifacetado”, explica o diretor do filme Rafael Lage, do coletivo Beleza da Margem.
Os depoimentos do documentário revelam quem são e o que é a “cultura da malucada”. Há relatos de quem tinha casa, família, estudo, e saiu para o mundo, com a cara e a coragem. “Ser maluco é traçar uma rota e ir.” “Quando você fica livre, você vê como é oprimido”. “A gente vive num mundo onde tudo é podado, não somos livres.” Estas são algumas frases que indicam o que querem ao levar uma vida nômade, sem casa e trabalho tradicional.
“Importante dizer, o maluco é um ser, mas é também um estar. Você pode ter vivências na maluquês, sem necessariamente ter isso como uma identidade definidora. Já alguns se definem dessa forma. Mas não é a pessoa que vai dizer ‘eu sou maluco’, quem diz isso são as suas atitudes no dia a dia, elas falam por você. E aí surge essa expressão tão comum no universo da malucada, que é a ‘atitude de maluco’", completa Lage.
Para filmar o documentário, foram percorridos 19 estados em cinco anos e feitas aproximadamente 300 entrevistas. O projeto foi possível graças a uma campanha de financiamento colaborativo, que arrecadou cerca de 65 mil reais de 2.072 pessoas, de 26 estados do país. “O documentário nunca teve roteiro, foi um processo de pesquisa e auto-antropologia sobre o movimento. A pé, de bicicleta, carro, barco e avião, câmera na mão, um bom microfone e um desejo profundo de trazer à tona algo que nunca havia sido percebido pela massa da sociedade. É uma bomba semiótica”, diz Lage.
Repressão em BH: onde tudo começou
As filmagens começaram mais como uma arma do que com a expectativa de se tornar um documentário. Segundo Lage, de 2009 a 2012, o foco era o midiativismo. O objetivo era denunciar a atuação dos fiscais da prefeitura de Belo Horizonte e da Polícia Militar do estado de Minas Gerais. “Nesta época, era comum que as operações da prefeitura acabassem com a apreensão de bens pessoais (como mochilas, barracas de camping, roupas e material de higiene), além dos artesanatos e ferramentas dos artesãos. Quando o artesão acusava o furto institucionalizado, era preso por desacato. Perante o juiz, era a palavra de um artesão contra a de policiais e fiscais, que quase sempre combinavam suas versões inverídicas sobre os fatos”, relata Lage.
Após acompanhar 18 operações da prefeitura, ele fez um documentário, onde reúne “flagrantes cenas de ilegalidade dos agentes públicos”. O vídeo foi entregue ao Ministério Público. “Foram realizadas três audiências públicas sobre o tema e o MP abriu um inquérito e em parceria com a Defensoria Pública de Minas Gerais, processamos a prefeitura de Belo Horizonte com uma ação civil pública. Em 2012, a justiça de Minas Gerais, proferiu uma liminar que garantiu o direito de livre expressão nas ruas da cidade e ordenou a devolução de todos os artesanatos apreendidos.”
Além de mostrar a cultura, o filme dialoga com os problemas enfrentados por quem busca essa forma de vida, como a repressão que os artesãos da Praça Sete, em BH, sofreram. “Com o tempo, percebemos que não bastava denunciar a violência do Estado, pois ela, em sua raiz, era fruto do preconceito e do enorme desconhecimento da sociedade sobre quem são estas pessoas. Então tínhamos também de mostrar a cultura, trazer à tona a realidade desse universo cultural e foi assim que surgiu a trilogia Malucos de Estrada”, conclui Lage.