A história da editora dedicada a questões raciais e de africanidades que atravessou 34 anos de turbulência econômica e se mantém viva – por Cidinha da Silva
Por Cidinha da Silva*
[caption id="attachment_73608" align="alignleft" width="230"] Maria Mazarello Rodrigues, fundadora da Mazza Edições (Foto: Etiene Martins)[/caption]Uma editora negra comemora 34 anos de vida no coração das alterosas. Viva! Os tambores de Minas estão em festa. É notícia digna de manchete, pelo menos no jornal diário que escrevo.
Sabe lá o que é manter uma empresa ao longo de 34 anos de turbulência econômica, afora os oito do governo Lula e o primeiro governo Dilma? O que é sobreviver a Newton Cardoso como governador de Minas? À inflação do governo Sarney? Aos desmandos do Plano Collor? Ao neoliberalismo privatista de FHC e aos inomináveis oito anos de Aécio Neves em Ipanema, digo, no governo de Minas? Sabe o que é manter uma editora dedicada a questões raciais e de africanidades no cenário editorial anterior à Lei 10.639/2003? Ah... não, desculpe, você não sabe!
Você que me lê não imagina a força-motriz que é Maria Mazarello Rodrigues, mulher negra de Ponte Nova (terra também do glorioso Reinaldo) que construiu uma empresa sólida, a Mazza Edições, sem lastro de herança econômica familiar. Estruturou o projeto na tora, no braço, no trabalho incansável para materializar um sonho de liberdade num país racista e cínico que negava a existência do próprio tema gerador da empresa.
Mazza é uma editora que inscreveu seu nome a ferro, fogo e boas conversas no cenário editorial brasileiro. 34 anos não são 34 dias. Para falar sobre a memória do livro e do ofício de editá-los no Brasil contemporâneo é imperativo pronunciar seu nome e pesquisá-lo. Assim fez um grupo de estudantes de Tecnologias de Edição do CEFET MG, coordenado por Pablo Guimarães, que empreendeu num livro curto e alargado de emoção a trajetória vitoriosa de Maria Mazarello Rodrigues. A obra que leva seu nome integra a Coleção Edição e Ofício que conta ainda com outros três volumes dedicados a significativos editores mineiros.
De maneira muito sensível, a equipe de estudantes narra em primeira pessoa a confluência dos caminhos de Mazza, a mulher empreendedora, e da Mazza Edições, a editora. Tudo começa pelo sonho de estudar, alimentado por nossa heroína, a decisão da mãe, Dona Amarilis, de levar toda a família para Belo Horizonte para alcançar o objetivo. Os planos de vida modesta que a leitura agigantou. Os projetos editoriais dos quais Mazza participou na capital mineira antes de construir seu próprio território, a saber, a Editora do Professor, a Livraria do Estudante, a Editora Vega.
O livro nos revela ainda o mestrado em editoração cursado na Universidade de Paris –XIII, um respiro francês nos tempos sombrios da ditadura militar tupiniquim. A volta ao Brasil. O sonho de edificar a Mazza Edições, um diálogo sobre liberdade com o povo por meio do livro. A primeira publicação: Assim se benze em Minas Gerais, de Edimilson de Almeida Pereira e Núbia P. Guimarães
É de tirar o fôlego. Mas se você acha que manter uma casa editorial como a Mazza Edições ao longo de 34 anos ininterruptos é para os fortes, está enganada. Fortes são os outros pequenos empresários como ela que sobreviveram. Mazza é mais. Ela é uma rocha tectônica do Quilombo do Ambrósio. É a massa atleticana gritando gol diante da poética de Reinaldo.
(*) Cidinha da Silva é escritora. Publicou, entre outros, Racismo no Brasil e afetos correlatos (Conversê, 2013) e Africanidades e relações raciais: insumos para políticas públicas na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas no Brasil (FCP, 2014). Despacha diariamente em sua fanpage