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De onde um dia enterraram o samba, saiu Jair para mostrar que é sempre cedo demais para duvidar da cultura popular
Por Lucas Reginato
“São Paulo é o túmulo do samba”, desabafou Vinicius de Moraes revoltado com o barulho que fazia o público na boate Cave, na rua da Consolação, durante apresentação de Johnny Alf em 1960. O poeta, que gravou parcerias com paulistanos como Adoniran Barbosa, logo se arrependeria da heresia dita, mas serviu de profeta às avessas – era exatamente naquele momento que começava a fervilhar uma cena de música popular naquela que já era a maior cidade do país.
Jair Rodrigues despontou para o sucesso em 1964 com a inesquecível “Deixa Isso Pra Lá”, hoje relembrada como o primeiro rap a ser feito no Brasil. Era na verdade um samba, e foi acompanhando pandeiros e cavacos que começou sua carreira. Seus dois primeiros LPs foram intitulados “Vou de Samba com Você” e “O Samba Como Ele É”.
Sucesso maior Jair alcançou ao lado de Elis Regina, que conheceu durante um espetáculo em 1964 no Teatro Paramount, na Brigadeiro Luís Antônio, centro de São Paulo, onde hoje é o Teatro Renault. Com a gaúcha, que mal completava duas décadas de vida, Jair aventurou-se pela televisão com o programa O Fino da Bossa, da TV Record, um turbilhão de referências que antes mesmo de Caetano Veloso já apontava para uma continuação da linha evolutiva desenhada por João Gilberto com a Bossa Nova.
Encontraram-se, Jair e Elis, e logo saiu o disco “Dois na Bossa”, fenômeno de vendas que mostrou a empresários o potencial comercial da moderna música brasileira. O LP, dirigido por Walter Silva, o “Pica-Pau”, em 1965, foi inovador porque gravado ao vivo no Paramount, como ainda poucos ousavam fazer no Brasil. Quem ouve o disco não vê, mas facilmente reconhece na voz de Jair os sorrisos que distribuía com tanta facilidade.
Há poucas coisas mais bonitas na música brasileira do que a faixa de abertura de “Dois na Bossa”, um pout-pourri representativo daquele tempo que mistura versos de diferentes gerações e tendências de sambistas. Começa com um estrondo de Elis em “O Morro Não Tem Vez”, de Tom Jobim e Vinicius, e percorre uma impecável seleção com composições de Carlos Lyra, Newton Chaves, Cartola e Zé Kéti.
E assim ficou enterrada para sempre a frase do poetinha. Paulista de Igarapava, região de Ribeirão Preto, Jair sambou pelas ruas de São Paulo e protagonizou dos mais belos capítulos da cultura brasileira. Agora se vai, mas recusa-se a entrar no túmulo onde um dia Vinícius enterrou o samba – “Deixa que digam, que pensem, que falem”.