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Em entrevista à Fórum, os rappers falam sobre lançamento de show e música em parceria, e das periferias de São Paulo e Rio de Janeiro. Dexter pede impeachment de Alckmin, a quem "odeia", e MV Bill faz apelo às polícias: "Na hora de treinar tiro ao alvo, para de colocar silhueta negra para os caras, eles levam isso muito a sério”
Por Igor Carvalho
Essa matéria faz parte da edição 132 da Fórum Digital Semanal
[caption id="attachment_41084" align="alignleft" width="300"] MV Bill e Dexter em entrevista à Fórum (Foto: Mariana Bergel)[/caption]
Um cresceu na periferia paulista, no Jardim Calux, em São Bernardo do Campo. O outro, no morro carioca, na Cidade de Deus. Eles são contemporâneos e viveram fases distintas no rap nacional, assim como nas comunidades onde vivem. “Nós atravessamos gerações, né Dexter?”, pergunta MV Bill.
No próximo dia 3 de fevereiro, a dupla irá lançar a música “Campo Minado”, a segunda parceria entre os rappers – a primeira foi no disco “Exilado Sim, Preso Não”, de Dexter, com a canção “Me Faça Forte” – que será divulgada nas redes sociais de ambos.
A música gerou um show, que levará o mesmo nome da canção, e que estreará no dia 6 de abril, em São Paulo. Tantos projetos só foram possíveis porque há uma profunda harmonia entre os rappers, que pode ser notada durante a entrevista concedida à Fórum, no último dia 25 de janeiro, antes do show que ambos fizeram na programação de aniversário dos 460 anos da capital paulista.
As divergências e as equivalências das periferias de Rio de Janeiro e São Paulo foram discutidas por dois dos maiores expoentes do rap em seus estados. Os desencontros com o poder público: Dexter “odeia” o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e pediu o impeachment do tucano, enquanto que MV Bill lembra que o governo de Sérgio Cabral (PMDB) os “aproxima mais de uma tragédia e de uma convulsão social do que de uma pacificação.”
O arquétipo desenhado pelas polícias - carioca e paulista - do criminoso foi ponto pacífico entre os dois músicos. “Eu sou rapper, sou preto, ando na periferia e isso me torna alvo, eles já saem do quartel com o inimigo declarado, caras como eu”, afirma Dexter. Sobre os treinamentos militares, MV Bill recomendou: “Ah, e na hora de treinar tiro ao alvo, para de colocar silhueta negra para os caras, eles levam isso muito a sério”.
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Confira a entrevista, na íntegra:
- O encontro
Bill: Encontrar o Dexter, não apenas aqui, mas na rua, fora do contexto de prisão, é importante demais para mim. Eu vi o Dexter pela primeira vez em um clipe, da música “Animais Irracionais”, na TV. Pessoalmente, foi quando produzi a faixa de introdução de um disco do 509-E, no Carandiru. O sistema carcerário brasileiro tem mais gente se fodendo do que sendo recuperada, e o Dexter passou a ser um símbolo de recuperação. Em nossas trajetórias, nos encontramos várias vezes, mas sempre dentro do sistema carcerário. Em 2004, fiz uma parada que eu não faria para mais ninguém. Saí do Rio de Janeiro, cheguei em Congonhas, encontrei um maluco no aeroporto e fui até a Penitenciária II, em São Vicente, onde passei o dia com o Dexter, para gravar uma música para o disco “Exilado sim, preso não”. Então, encontrar o Dexter, hoje, no aniversário de São Paulo, lançando música juntos e outros projetos é muito importante mesmo. Falei pra caralho! [risos]
Dexter: Tenho que falar ainda? [risos] Olha só, é uma amizade construída no sofrimento. A maioria das coisas que construí no sofrimento se tornou mais fortes, as parcerias desse tempo são mais fortes. Para explicar meu encontro com o Bill eu tenho que voltar um pouco. Em 1998 eu estava preso em Serra Negra, e vi uma entrevista do Bill falando do disco que o Escadinha estava fazendo dentro do sistema [carcerário], pra quem não sabe o Escadinha é um ex-detento, e eu li aquela revista inteira no pátio da penitenciária. Quando terminei de ler, eu pensei: “Porra, como eu queria participar desse trampo”. Bom, pouco tempo depois eu fui transferido para o Carandiru e levei os Racionais MCs para tocar lá. Eu já estava começando a elaborar o “509-E”, que ainda era “Linha de Frente”. Bom, nesse dia o produtor do Escadinha foi lá e me apresentaram ele. Na hora eu lembrei que era o parceiro do Bill, que produzia o Escadinha, e olha que louco, ele me convidou para participar do disco do Escadinha. Aí vêm as contradições, né [risos]? O cara me ligou, dentro da cadeia, eu fiquei apavorado, “tô falando com o homem que fugiu de helicóptero”. Bom, a partir daí me aproximei do Bill e pintou, inclusive, o convite para ele participar do meu disco, com a música “Me Faça Forte”. E que felicidade ver o Bill aqui, hoje, esse cara é um exemplo pra mim. Se eu dei a volta por cima, é graças ao Bill, também, esse negão me injetou ânimo na veia.
“Me faça Forte”
- “Campo Minado”
Bill: O Dexter estava falando da minha influência na vida dele, mas ele me influenciou muito, também. Depois que ele me chamou para participar do disco dele, eu passei muito tempo com essa parada na cabeça, “caralho, preciso chamar o Dexter para participar do meu disco”, mas tinha que ser “a” participação. Eu fiquei esperando, até o momento que eu sentisse que a gente tinha algo para falar junto. Aí, eu pensei em uma letra de música dele: “A vida num campo minado é foda/ Tem que ser ligeiro para não morrer/Pode crer no proceder/Vou sobreviver, e você? [Triagem]”. Porra, nessa hora bateu. Bom, pensando na situação de hoje, das favelas, que dizem que estão “pacificadas”, mas que a gente sabe que não é isso, elas estão ocupadas pelas forças policiais. Bom, vendo esse cenário, pensei que a música dele tinha muito que ver com isso. Liguei para o Dexter e a única exigência que fiz era que tivesse esse trecho de "Triagem" e eu tinha que falar essa parte. Para escrever minha parte da música eu fui para o Pantanal, na Cidade de Deus, que é onde gravei meu primeiro clipe, da música “Traficando Informação”. A Cidade de Deus tem uma UPP, só que nem dentro da favela, que é plana, ela consegue chegar em todos os lugares. Na parte dos apartamentos, que é a Cohab onde eu moro, tem uma maquiagem maior, na parte do Pantanal nada mudou, mané. Caralho, é o mesmo semblante triste e a mesma falta de esperança. Eu coloquei a base no carro e comecei a escrever. Liguei para o Dexter e avisei, ele estava indo para uma balada. Na madrugada, toca meu telefone, era o Dexter: “Nem fui pra balada, já gravei minha parte” [risos]. Na hora que gravamos rolou uma sinergia incrível no estúdio, eu não sei explicar. E, na música, eu canto a parte dele, ele canta a minha e a gente não sai da música nunca.
Dexter: “Campo Minado” é um presente na minha vida. Nesse dia que ele me ligou eu realmente estava saindo para uma balada, mas desisti. Mano, o jeito que ele falou comigo foi foda, inspirou na hora, fui para um hotel, e escrevi minha parte. Eu vi que ele estava querendo gritar, essa música diz algo que estava precisando sair do coração. Tinha que ser naquela noite. A gente vive num campo minado, a periferia é um campo minado. Hoje, são 460 anos de São Paulo e tem muita festa. Tá, mas a gente sabe de onde vem e como é que as coisas funcionam, da tristeza de nossas mães.
[caption id="attachment_41085" align="alignright" width="300"] Harmonia entre MV Bill e Dexter permitiu a parceria que gerou show e música (Foto: Fábio Terral)[/caption]
- Periferia
Dexter: O nome do meu próximo disco será “Flor de Lótus”. Um flor linda e conceituada no oriente, com uma semente que pode durar até cinco mil anos, mas que só germina no lodo.
Bill: No lixo, mané.
Dexter: Isso, no lixo. A periferia é a parte da nossa cidade para onde ninguém quer olhar, um lugar feito para pobres e pretos, onde nós criamos nossas regras. Por isso o rap existe, por isso que o GOG, o Brown e o Bill existem, porque precisamos ser essas vozes, temos que falar com o povo. Eu tenho um amor enorme pela periferia de São Paulo. A periferia mudou muito, hoje temos condição de ter orgulho de algumas conquistas. A periferia é um lugar onde eu amo estar, mano. É tanta dificuldade ali e nosso povo é tão batalhador. Ainda moramos longe da rua asfaltada, do restaurante legal, do bar bacana, mas vamos lutar. Só lamento porque começo a sentir, nas periferias, que a nova geração não reconhece algumas conquistas e alguns que lutaram por essas conquistas.
Bill: Nós atravessamos gerações, né, Dexter? Sobrevivemos ao período em que a porra da MTV ficou de putaria com a gente de 2010 a 2012, impondo que o rap só era feito por uma nova geração, foi uma porrada de clipe de gente nova, que caralho foi aquilo, irmão? Tem que ter respeito com quem pavimentou essa porra. Não é inveja, é bolação com essa memória curta. Nós ajudamos a construir a MTV com nossos clipes, e vem ficar de putaria e sacanagem, maluco? Mas a gente tem a internet para dialogar com o nosso público e hoje, nas periferias, nosso povo tem acesso à internet. Aliás, no Rio, falamos de Morro, Comunidade e Favela, mas é tudo periferia e quebrada. Mas lá no Rio não temos tanto essa questão geográfica, como vocês, aqui em São Paulo, que a periferia é afastada mesmo do centro. Cidade de Deus mesmo está próxima do centro. O meu crescimento e a minha visão crítica, política e social foram desenvolvidos lá. Quando se ganha dinheiro, morador de favela sai de lá. Mas quando tu tem um sentimento, não quer sair. Eu moro na Cidade de Deus ainda. Eu me amarro em viajar de avião, ficar em hotel bacana, comer em restaurante bom, mas meu lugar é lá, é para onde eu vou voltar para puxar os pés e ver de onde eu sou.
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- Rap
Dexter: Pode ser “Ritmo e Poesia”, mas eu prefiro “Revolução Através da Palavra”. A cultura Hip Hop salvou minha vida, mano. Cara, para pra pensar, o rap é o único estilo musical que reúne milhares de pessoas para falar de política e de questões sociais, para colocar o dedo na ferida. O rap tem que incomodar mesmo. Temos que ter uma postura, um comportamento e um compromisso com nosso público. Já imaginou o Dexter cantando sertanejo?
Bill: Não quero nem te imaginar com aquela calça? [risos]
Dexter: Seria muito leve, né, Bill? A nossa pegada tem que ser outra, você tem que pensar que vai fazer e está fazendo a revolução.
Bill: Cara, eu sempre fui muito tímido. Quando era moleque fui o último a arrumar namorada, não sabia jogar futebol, não era bom na escola, não era popular na escola, enfim, só me fodia [risos] . Aí, depois de ouvir rap brasileiro, eu comecei a fazer umas rimas, eu fazia rima com o nome da galera, passei até a ser consultado sobre arte, imagina? Até hoje, não na mesma intensidade, eu sou tímido, mas o rap me trouxe outra dimensão para a minha vida. Mas, tomo muito cuidado para que o rap não engula toda a cultura Hip Hop, os Bboys são importantes demais e sofriam um puta preconceito, porque a galera achava que eles começavam a dançar para distrair a rapaziada enquanto outros iam roubar a carteira, olha como era a mentalidade!
- Funk
Bill: A criminalização do rap continua. Você não vê grupos de rap indo em programas de TV ou rádio, a diferença é que o rap não se deixa abalar por isso. O funk é tão importante quanto o rap, é da mesma árvore e herdou a mesma criminalização. Mas, o funk tem um comportamento muito diferente. Já caí no miolo para defender o funk. Não precisa de censura, mas seria legal um pouco de bom senso, tem funk que não se pode ouvir na sala de casa, com sua mãe. Longe de querer criar censura ou polêmica, mas acho que precisa ter um bom senso. E na hora da luta pelo povo, eles precisam lembrar que não é só o rap que tem que ficar levantando bandeira.
Dexter: Muita gente me cobrou, durante as manifestações do ano passado: “Cadê o rap. Cadê você, Dexter?”. Mas ninguém cobra o funk, porque é outro compromisso, o dos caras. Não sou eu quem vai legitimar o movimento dos caras, mas minha música, embora saia do mesmo local, vai de encontro com a deles, é outra coisa. Os caras que antecederam minha chegada ao rap me entregaram uma cartilha, com algumas coisas que temos que ter compromisso.
Bill: Falando das manifestações, eu lembro que o que tinha de nego reclamando que eu não estava indo. Você quer ir, vá, mas não fica se preocupando com quem ficou em casa. Eu fui em uma das primeiras manifestações, no Rio de Janeiro. Coloquei uma máscara, porque queria passar despercebido, e fui. Eu tenho músicas como “Só Deus pode me julgar”, “Causa e Efeito” e “Declaração de Guerra”, que são músicas que clamam para a revolta popular, que chamam às ruas. Porém, eu nunca tinha visto essa massa na rua. Eu queria sentir aquilo, mas não queria que ficassem me filmando, tirando foto e conversando comigo, nem levei meu celular. Queria sentir o que estava acontecendo. Só que eu não postei isso, não fiquei falando isso, para quê? Aí, pouco tempo depois, estou chegando em um show e um playboy, cheirando a leite Ninho, começa a gritar que não me viu na manifestação. Moleque chato, com cara de quem acabou de acordar. Porra! E tem outra, já pensou se eu achasse ruim com cada favelado que não gosta da minha música? “Pô, nem foi no meu show?”, para com isso.
[caption id="attachment_41086" align="alignleft" width="300"] Dexter e MV Bill estão lançando "Campo Minado" (Foto: Fabio Terral e Bob Wolfenson)[/caption]
- Cabral x Alckmin
Dexter: De ouvir esse nome, já me arrepio. A incompatibilidade é monstruosa. Repressão, opressão, violência nas ruas contra os pretos e pobres. Para mim, é um nazista do nosso tempo. Desse aí não quero falar muito, é isso, curto e grosso. Tenho ódio desse cara. Mano, fora Alckmin, impeachment. Urgente.
Bill: Eu sou um cara otimista. Quando o Cabral foi eleito ele fez várias promessas relacionadas à área de ação social. Criei minhas expectativas. Porém, o Cabral se prendeu ao projeto de UPP. Ele cometeu o erro de não oferecer políticas públicas com a mesma intensidade que o aparato social, o único braço governamental que nos chega é sempre a polícia. Isso nos aproxima mais de uma tragédia e de uma convulsão social do que uma pacificação.
- UPP x PM
Dexter: Eu tenho medo de encontrar quem deveria me dar segurança. Porque eu sou rapper, sou preto, ando na periferia e isso me torna alvo, eles já saem do quartel com o inimigo declarado, caras como eu. Eles podem me forjar, me matar e nada acontece, isso acontece com os meus nas ruas.
Bill: Nós somos, para a polícia, enquadrados no perfil do marginal padrão, eles têm certeza que somos nós e isso faz a ação policial ser mais doída. No Rio, esse projeto de UPP, que são policiais com salários maiores, repete a mesma lógica, as mesmas posturas violentas e racistas. O policial de UPP se torna um coronel, é o coronelismo das comunidades cariocas, porque ele vai definir se vai ter baile, se vai todo mundo pra casa, enfim. Ah, e na hora de treinar tiro ao alvo, para de colocar silhueta negra para os caras, eles levam isso muito a sério.
Dexter: Onde está o Amarildo?
Bill: E o tiro acidental do Douglas?
- Mídia
Dexter: É preciso tomar cuidado. A pior doutrinadora é a TV e cada um de nós tem pelo menos uma dentro de casa, é o tempo inteiro exposto. Temos que tomar cuidado, o rap já sofreu demais na mão da mídia e eu acho que na hora de falar com a mídia precisamos ficar com um pé atrás.
Bill: Tudo que fiz, na mídia, eu fiz porque eu quis, se ficou bom ou não, eu quis fazer. Eu nunca fiquei no ranço do rap de ser antimidiático, essa bandeira eu levantei, eu nunca falei que não ia interagir com “a”, “b” ou “c”, esse discurso é do [Mano] Brown, não é meu. Eu conheço poucas pessoas, como o Brown, que recebem vários convites e recusam, eu conheço um monte que recusa convite que nunca foi feito. Eu venho de uma cidade praiana, um lugar sem tradição no Hip Hop, se eu não colocar a cara na mídia, me esquecem, mas sei que vou ser xingado pra caralho. Na semana passada, minha sobrinha sofreu uma tentativa de estupro, mas conseguiu escapar. A comunidade pegou o cara e ele foi preso, aliás, estou na torcida para que toda a comunidade carcerária faça o carinho devido na figura. Bom, vai vendo, foram três revistas, quatro emissoras de TV e duas de rádio que me procuraram para falar sobre o assunto. Cara, a gente tá lançando clipe, show, música e os caras sempre nos procuram para falar de violência, só querem falar de nossas tragédias. E minha música? Se não tivessem as redes sociais, a gente estava muito fodido.
- Os projetos sociais de cada um: “Como vai seu mundo?” x “Cufa”
MV Bill: É um orgulho, a Cufa. Eu cresci ouvindo músicas como “O Homem na Estrada” e outras em que o cara morre no final, só se fode. E a Cufa é algo que pode mudar a história, mudar esse final. Hoje a Cufa está em vários estados, saiu do eixo RJ-SP, perdi o controle. Ninguém me consulta mais para os próximos passos, isso é ótimo porque posso cuidar da minha música. No Rio de Janeiro mesmo, uma porrada de gente conhecia a minha cara mas não sabia que eu cantava, porque era conhecido só pelos feitos sociais.
Dexter: O projeto está voltando. Nesse tempo de atuação, pudemos ver pessoas e situações mudando dentro do sistema carcerário e isso me deixa muito feliz. A ideia é que a gente visite outros presídios, pelo Brasil, antes ficávamos limitados a Guarulhos.
- Uma música do outro
Dexter: “Soldado do Morro”
MV Bill: “Oitavo Anjo”