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Em “Django”, Samuel L. Jackson encarna um dos mais belos patifes da história do cinema e rouba a maior parte das cenas aos seus camaradas de cena
Publicado em Backchich. Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
É o ator mais rentável de todos os tempos (os seus filmes recolheram a bela soma de... 7,4 bilhões de dólares!) No correr dos anos, ele teve papéis em “Jurassic Park”, “Die Hard”, “Star Wars”, “Iron Man”, “The Avengers”, “Shaft” e, evidentemente, na maior parte dos filmes do seu amigo Quentin Tarantino. No início de janeiro, Samuel Leroy Jackson – 64 anos, encarnação da atitude cool, boina na cabeça, look de gentleman-camponês – esteve em Paris com Tarantino e outros atores de “Django” para uma jornada de promoção non-stop, depois de Roma e antes de Berlim. Estamos no muito chic hotel Bristol, e o Circo Tarantino está lá instalado. Estão presentes QT, Sam Jackson, Christoph Waltz, Jamie Foxx e Kerry Washington. Para cada talento, um assessor de imprensa, um publicista, um assistente, um maquiador, amigos, ou seja, entre 8 e 15 pessoas por vedeta. São 13 horas e o segundo andar do Bristol está em ebulição: tudo regulado, milimetricamente, por um exército de assessores de imprensa que mantêm em ordem um bando de jornalistas nervosos. Tenho 15 minutos de face a face com uma lenda.
[caption id="attachment_21140" align="alignright" width="300"] Cena do filme Django (divulgação)[/caption]
Primeira indiscrição, o ator mais rentável de todos os tempos é simpático, afável e não hesita em sair do discurso promocional que nos é servido habitualmente neste tipo de encontros. Segunda indiscrição: Sam The Man fuma cigarros eletrônicos. Terceira indiscrição, tem o ritmo de um rapper e a voz “suínga”.
Bom dia, estou verdadeiramente encantado de entrevistá-lo.
Samuel L. Jackson : Encantado.
Fuma?
S. L. J. : Oh, é um cigarro eletrônico. Estou tentando largar este hábito sujo há anos. Mas, enfim...
Você entra na maior parte dos filmes de Tarantino, faz mesmo a voz off de “Bastardos Inglórios”. É porque faz cantar os seus diálogos como se fosse um rap?
S. L. J. : Creio que ele acha isso, gostaria que achasse. Em todo o caso, gosto da forma como ele escreve, e ele gosta da forma como eu digo as réplicas.
Deve mesmo entrar em “Reservoir Dogs”.
S. L. J. : Sim, passei na audição. Lembra-se de Tim Roth que repete a sua história de cães com um negro, pois bem, acho que vou ter o papel desse tipo. Está combinado ente mim e Quentin.
“Sou um filho da segregação”
Nasceu no Tennessee.
S. L. J. : Nasci em Washington e fui criado no Tennessee.
Sofreu com o racismo e conheceu a segregação. Que foi que sentiu ao atuar em “Django”?
S. L. J. :Conheço muito bem o Sul e gosto dele. Tenho um bom conhecimento da escravatura. Os americanos esqueceram-se que quando os cowboys exterminavam os índios, a escravatura era a coluna vertebral da economia do país, com as plantações de algodão e tabaco, os campos de cana de açúcar. Era trabalho forçado com uma maioria de negros mantidos prisioneiros por uma minoria de brancos. É o que mostra o nosso filme. Pergunta-se muitas vezes como os brancos puderam manter sob o seu jugo os seus escravos, que estavam em maioria numérica. Simplesmente pelo terror e pela intimidação! Certas cenas de “Django” são terríveis: o chicote, os combates de morte, os cães, mas a realidade era muito pior. Cortavam-se pés, mãos, dedos. Alinhavam as mulheres grávidas, escolhiam uma, esventravam-na e matavam o bebê. O suficiente para provocar a vontade de revolta. E este horror perdurou. Sabe, eu cresci na época da segregação, sou um filho da segregação. Havia sítios onde se podia ir e outros que eram interditados, com placas a dizer “Só para Brancos”.
No carro, na escola...
S. L. J. : … em todo o lado, era em todo o lado, mesmo na rua. Se olhávamos alguém de lado na rua, podias desaparecer, ser morto. Era a vida na América tal como a conheci.
Como explica que Hollywood fale tão pouco da escravatura?
S. L. J. : (em tom de enfado) A América pediu desculpa por ter massacrado os índios, mas nunca reabilitou a memória dos meus antepassados. Os americanos não gostam de falar nisso. Houve o Lincoln de Steven Spielberg que fala da política da escravatura e sei que o realizador Steve McQueen acaba de filmar “12 years a slave” (com Michael Fassbender e Brad Pitt), penso que será muito diferente de “Django”. Será interessante comparar os dois filmes.
Foi o senhor que teve a ideia do aspeto do seu personagem
S. L. J. : Trabalhei nisso durante um ano. Refleti sobre o penteado, sobre a cor da pele... Fizemos testes filmados e houve horas de maquiagem. Finalmente, chegamos a um compromisso e tinha uma hora e meia de maquiagem de manhã, uma prótese macia, não muito difícil de suportar durante o dia.
Foi um papel engraçado de interpretar?
S. L. J. : Sim, realmente, Stephen é um excelente personagem.
“O meu personagem é um desgraçado de um colaborador”
Olhando-o ao lado de Leonardo di Caprio, tive a impressão de ver a serpente Kaa no desenho animado “O Livro da Selva”, ou o conselheiro do rei em Robin dos Bosques versão Disney, uma outra serpente.
S. L. J. : (brinca). Stephen é o homem atrás do trono. É ele que gere a plantação porque Calvin está demasiado ocupado com os seus combates de mandingos e o seu bordel. Quando o filme começa, a escravatura existe desde há 150 anos. O avô de Stephen e o seu pai ocuparam-se da fazenda Candie, o seu destino era continuar. Ele é o produto do meio e ocupa-se de Calvin como de um filho. Quer gozar dos seus privilégios enquanto os seus semelhantes nos campos morrem de pancada. Stephen é um desgraçado de um colaborador, que utiliza a situação a seu favor e que queria que a escravatura perdurasse mais 150 anos. De fato, é ele o senhor, ele tem o poder. E vê Django este antigo escravo que chega a cavalo, armado de pistola, como uma ameaça. Sobretudo, não quer que os outros escravos aspirem a esta liberdade.
No ecrã, rouba todas as cenas.
S. L. J. : Não era a minha intenção! Tentei ser fiel ao meu personagem, talvez o negro mais ignóbil da Sétima Arte, tentei servi-lo o melhor possível. Quando Stephen e Calvin estão juntos, tinha a impressão de que eram um monstro de duas cabeças. Era agradável representar esse papel com Leo.
“Durante a escravatura, era a palavra negro que era usada”
“Django” é um filme político?
S. L. J. : Este filme não é de forma alguma um documentário sobre a escravatura, é divertimento. Mas há aspetos políticos. A política da escravatura é uma coisa de que os americanos não querem falar, que escondem debaixo do tapete, e querem dar a entender que talvez não fosse assim tão grave...
Houve uma controvérsia nos Estados Unidos a propósito do uso da palavra “negro” em “Django”. Os jornalistas e os conservadores não se revoltaram pelo horror da escravatura, mas sim por esta palavra. Confesso que não entendi.
S. L. J. : Eu também não e, no entanto, vivo no país! Durante o período da escravatura, era a palavra usada, qual é então o problema?
Um assessor de imprensa entreabre a porta: “Last question, please”.
Em breve um filme com Nick Fury como vedeta?
S. L. J. : Não sei, adoraria. Em todo o caso, verão em breve Fury em “Capitão América 2”.
Já entrou em 150 filmes. Qual é o seu motor?
S. L. J. : Gosto disso, é só (explode em riso). É um bom emprego. Você é jornalista. Todas as manhãs, levanta-se e escreve. Faço uma coisa parecida. Se posso representar todos os dias, fico feliz. É o que faço, é o que gosto mais. E, sabe, é um desgraçado de um bom emprego!