Por Rosilene Corrêa*
A filipina Arlyn Calos perdeu dois filhos no intervalo de uma semana, em 2018. Eles foram vítimas do sarampo. A mãe disse que leu “notícias” afirmando que a vacina contra a doença fazia muito mal, e achou melhor não levar as crianças para vacinar. “Sinto raiva, porque eu não devia ter dado ouvidos à TV nem ao Facebook”, disse Arlyn.
O caso da mãe filipina não é isolado. Pessoas do mundo inteiro são assoladas por um movimento criminoso antivacina. E por causa disso vêm perdendo a própria vida ou a de pessoas que ama. O estrago é tão grande que levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a considerar a hesitação em vacinas uma das dez maiores ameaças à saúde global.
O Brasil não fica de fora dos ataques daqueles que, sem qualquer justificativa científica, se opõem a uma das maiores conquistas da humanidade. Em novembro de 2019, pesquisa da ONG Avaaz, em parceria com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), constatou que 67% dos brasileiros acreditaram em, pelo menos, uma fake news (desinformação) sobre vacinação.
E nem mesmo a pandemia da Covid-19, que já tirou a vida de 622 mil pessoas só no Brasil – e deixou tantas outras milhares com sequelas, cessou os ataques dos antivacina. Ao contrário, assanhou.
Estrategicamente abominável
Recentemente, a ex-deputada federal Cristiane Brasil, bolsonarista ativa na divulgação de fake news sobre imunizantes contra a Covid-19, usou a foto de Luca, de 10 anos, para atacar o único meio de barrar a crescente da pandemia. Ele havia falecido devido problemas cardíacos, mas Cristiane disse que o óbito da criança foi resultado da aplicação da vacina contra o coronavírus.
“Faço um apelo para os amigos que têm filhos de 5 a 11 anos. Não vacinem seus filhos para não chorar arrependidos, ao saber que não tem volta”, disse a ex-parlamentar pelas redes sociais. Ao ser questionada, inclusive pela família de Luca, Cristiane Brasil se desculpou, mas segue fiel à luta irracional para barrar a vacina contra a Covid.
Para além de ex-parlamentar coadjuvante, deputados federais em voga, como Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e Carla Zambelli (PSL-SP), também jogam no time das fake news para atacar a vacinação contra a Covid-19. Entre as mentiras anunciadas em suas redes sociais, a divulgação de que a vacina produz uma proteína chamada spike, que seria responsável por danos como câncer e problemas de fertilidade.
Para além de seus infames escudeiros, o próprio presidente da República do Brasil é um dos principais figurões da representação do movimento antivacina. Jair Bolsonaro chegou a dizer que a vacinação de crianças contra a Covid-19 não se justifica, pois “crianças não estão sendo internadas”.
O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antonio Barra Torres, indicado pelo próprio Bolsonaro, citou que, só em São Paulo, o aumento na ocupação de leitos pediátricos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) ultrapassou de 70%. A fala foi feita no último dia 20 de janeiro, durante reunião da Diretoria Colegiada da agência para avaliar o uso da vacina Coronavac em crianças.
Dados divulgados pelo Ministério da Saúde mostram que, desde o início da pandemia, em março de 2020, 1.449 crianças de zero a 11 anos morreram por complicações geradas pela Covid-19. A pasta ainda registra mais de 2,4 mil casos da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica (SIM-P), associada ao coronavírus.
Os números alarmantes, entretanto, passam batido nas falas no ministro da pasta, Marcelo Queiroga. Aliás, o ministro de Bolsonaro também é um dos propagadores de desinformação contra a vacina que combate o coronavírus, tornando-se aliado dos antivacina. Ele chegou a dizer que 4 mil pessoas morreram após serem vacinadas contra a Covid-19. Logo em seguida, “Queiroga mentiroso” se tornou um dos assuntos mais comentados no Twitter.
Além do negacionismo arraigado, a única justificativa do esforço de Bolsonaro e bolsonaristas se empenharem na campanha antivacina é a tentativa de fidelizar a base extremista que o apoia. Afinal, após a derrota na questão do voto impresso e a pouco menos de nove meses das eleições presidenciais, é preciso ter alguma pauta que mobilize seu público. Mesmo que isso custe a vida de crianças.
Menos Estado, menos imunização
No Brasil que é referência mundial em imunização, a cobertura de vacinação tem caído desde 2016. Justamente no ano em que o país sofreu um golpe político-jurídico-midiático que afastou a presidenta Dilma Rousseff e colocou na presidência da República aquele que abriu uma temporada de ataques aos direitos do povo, inclusive à saúde.
Em 2016, o Brasil recebeu da OMS certificado de país livre de sarampo. Com a baixa na cobertura de vacinação, foram confirmados mais de 10 mil casos da doença em 2018, 18 mil em 2019 e, em 2020, mais 8.419 casos de sarampo. Os dados são da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Fatos, não fakes
Ainda está viva a emoção do anúncio da criação da vacina contra a Covid-19, em meados de 2020. No país que já estava marcado por um rastro de mortes e tristeza, a população pôde dar um respiro de esperança frente à descoberta científica.
Vacinamos idosos, pessoas com comorbidades, adultos, adolescentes. E agora, finalmente, chegou a vez das nossas crianças de 5 a 11 anos.
Com as mais de 381 milhões de doses aplicadas, vimos a feliz queda nos casos de óbito e internação gerados pela Covid-19; mesmo agora, quando uma terceira onda aponta recordes dos números de contágio.
Não se pode falar que a pandemia está perto de acabar. Mas é possível afirmar que é a vacina que vem garantindo números mais positivos quanto aos óbitos decorrentes do coronavírus e salvando milhares de vidas.
E é baseado em fatos, não em fake news, que temos agir.
Pelo menos 31 países estão vacinando crianças de 5 a 11 anos contra a Covid-19. Só nos Estados Unidos e Canadá, já foram aplicadas cerca de 10 milhões de doses. E todos os estudos científicos mostram que a vacinação é segura, necessária e urgente para o grupo infantil.
É por isso que a campanha de vacinação infantil do DF para crianças de 5 a 11 anos deve ser fortalecida. É fato que é dever de mães, pais e responsáveis levar suas crianças para vacinar. Esse é um ato não só de dever, mas de amor.
Mas é também dever do Estado realizar uma ação potente de incentivo à imunização e combate às fake news sobre as vacinas. É preciso ir aos lares das pessoas, aos espaços públicos; é preciso orientar sobre a importância da vacina. É preciso também coibir qualquer iniciativa que, seja lá da maneira que for, acabe confluindo com a iniciativa nefasta de deixar nossas crianças sem o direito à imunização e, consequentemente, à vida.
Não há tempo para cogitar delírios negacionistas. Acreditemos na vacina para salvar a vida de quem a gente ama.
*Rosilene Corrêa é professora aposentada da rede pública de ensino do DF e dirigente do Sinpro-DF e da CNTE.
Fonte: SINPRO-DF