O médico sanitarista e professor, Arthur Chioro, ex-ministro da Saúde no governo de Dilma Rousseff (PT), é contundente ao criticar as políticas de combate à pandemia do coronavírus promovidas pelo governo federal.
“O governo Bolsonaro é irresponsável e criminoso. Há 11 meses nega a pandemia, sua gravidade e a eficácia das medidas não medicalizantes, efetivamente comprovadas, como o isolamento social, o uso de máscara e as medidas de higiene”, avalia Chioro.
Em relação à vacinação contra a Covid-19, o sanitarista volta a criticar o presidente: “Bolsonaro transformou a oferta do Instituto Butantan, uma instituição pública e qualificada, responsável por atender parte significativa da demanda por vacinas para o país, numa disputa eleitoral mesquinha com o govenador de São Paulo, que também tem enorme responsabilidade pelo caos reinante”, acrescenta.
Fórum: Como observa a condução da política de combate à pandemia do coronavírus do governo Bolsonaro, insistindo com o “tratamento precoce”?
Arthur Chioro: Uma tragédia humanitária, um caos político-administrativo, um desastre sanitário em um momento crítico que trará graves consequências sociais. O governo Bolsonaro é irresponsável e criminoso. Há 11 meses nega a pandemia, sua gravidade e a eficácia das medidas não medicalizantes, efetivamente comprovadas, como o isolamento social, o uso de máscara e as medidas de higiene. Deixaram faltar tudo: EPI para os trabalhadores, respiradores, medicamentos para intubação, leitos de UTI, testes para Covid, agulhas e seringas... Chegaram ao cúmulo de responder a uma grave crise de desabastecimento de oxigênio, devidamente comunicada ao Ministério da Saúde, com uma missão de médicos fanáticos e irresponsáveis que foram “ensinar” os colegas de Manaus a prescrever medicamentos que comprovadamente não funcionam para Covid-19 e causam efeitos colaterais graves. Como resultado, pacientes morreram por falta de oxigênio. Isso é mais um crime comprovado. O único tratamento precoce que efetivamente pode ter resultado é o impeachment de Bolsonaro.
Fórum: De que forma o governo federal lidou e está lidando com a questão das vacinas?
Arthur Chioro: Da mesma forma irresponsável e inconsequente como tem lidado com outras ações no enfrentamento da pandemia. O Programa Nacional de Imunização foi politizado e está sendo usado para fins eleitoreiros. Seus técnicos, extremamente competentes, foram demitidos e substituídos por gente que não entende nada de SUS e de vacinas. O Comitê de Especialistas foi desestruturado. A aposta em uma única vacina se mostrou equivocada desde o começo. O governo brasileiro, seguindo a orientação de Donald Trump, desdenhou do Fundo Covax Facility da OMS/Unicef, que atenderá 190 países. Perdemos a prioridade e não pedimos o total de vacinas que poderíamos ter solicitado. Bolsonaro transformou a oferta do Instituto Butantan, uma instituição pública e qualificada, responsável por atender parte significativa da demanda por vacinas para o país, numa disputa eleitoral mesquinha com o govenador de São Paulo, que também tem enorme responsabilidade pelo caos reinante. Ao tratarem de forma não republicana a questão das vacinas, politizada no pior sentido, colocaram o Brasil, que tem um Programa Nacional de Vacinação reconhecido mundialmente por sua qualidade, abrangência e eficiência, numa situação lamentável. Se não houver nenhuma mudança só atingiremos 70% de cobertura vacinal – e, portanto, de proteção coletiva – no segundo semestre de 2022. Já outros países, que estão levando a pandemia a sério e tomando as medidas que precisam ser tomadas, conseguirão já no segundo semestre deste ano condições seguras e interrupção da cadeia de transmissão da Covid. Seremos o último da fila, com consequências políticas, econômicas, sociais e sanitárias trágicas e que poderiam ser evitadas.
Fórum: Como avalia o comportamento do Ministério da Saúde diante do colapso da Saúde no Amazonas, mais especificamente em Manaus?
Arthur Chioro: Relapso, inconsequente e criminoso. Não há outra forma de caracterizar a participação do Ministério da Saúde nos eventos que resultaram na morte de muitas pessoas por falta de assistência, de oxigênio e de respeito pela vida. Aliás, nesse caso específico, será importante a avaliação das responsabilidades das gestões estadual e municipal também.
Fórum: O que o surgimento de novas cepas do coronavírus representará no desenvolvimento do combate à doença?
Arthur Chioro: Há uma mutação com potencial de escape imune que está presente tanto na linhagem inglesa como nas variantes do Brasil. Há uma variante (P1) que está dominando a Região Norte. Há uma outra (P2), no Rio, que está se difundindo pelo país. Os cientistas ainda não conseguem afirmar se elas têm, de fato, maior poder de se espalhar, o que aparentemente está acontecendo. Parece que infectam mais rápido, ajudando a esgotar também mais rápido a capacidade de resposta do sistema de saúde. Também não se sabe se causam doença mais grave. Provavelmente, não. Não se sabe, ainda, se as vacinas conseguirão proteger, embora, se isso ocorrer, é um problema que as indústrias de vacina podem resolver com facilidade. Entretanto, ainda acredito que o maior problema foi a liberação geral e a não realização de isolamento social. Quanto mais rápido as medidas de isolamento social e até mesmo de lockdown e a vacinação forem realizadas, menos impacto terá a variação do coronavírus e mais rápido teremos o controle de sua transmissão.