Covid-19 e a questão prisional

“Não existe um atendimento de saúde que funcione efetivamente nos presídios”, afirma Juliana Melo, doutora em antropologia e pesquisadora do sistema prisional

Foto: Arquivo/Agência Brasil
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A Fórum tem feito uma série de reportagens sobre como a Covid-19 tem afetado as populações mais vulneráveis no país.

E se tem um lugar onde essa enfermidade é bastante preocupante é no sistema prisional.

Locais insalubres, cubículos com superlotação, ambientes sujos, com pouca ventilação e muita umidade, as cadeias do Brasil têm sido um foco de doenças como tuberculose, doenças respiratórias, entre outras, o que mostra um contingente carcerário com sérios problemas de saúde e de imunidade.

Sem falar na aglomeração, que é inevitável. Por isso, uma série de medidas tem sido tomadas nos presídios federais e estaduais, uns com melhores resultados, outros nem tanto.

Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do final do mês de julho, analisando o contágio entre presos e servidores, mostravam que em 30 dias os casos teriam aumentado em 100%, chegando a quase 14 mil contágios, totalizando 136 óbitos.

O levantamento recolheu dados levantados pelo Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, de boletins das secretarias estaduais de Saúde e do Departamento Penitenciário Nacional (Depen).

Entre os presos, os maiores casos de Covid-19 se encontram no Distrito Federal, seguido de Pernambuco e Pará.

Não devemos esquecer que o número de testes ainda é muito pequeno, frente ao enorme contingente carcerário do país. Temos a terceira maior população carcerária do planeta, com mais de 700 mil detentos.

No sistema socioeducativo, onde se encontram os menores de idade, foram registrados 2.356 casos e 26 mortes.

No início do mês de julho, após denúncia de parentes de apenados do sistema prisional do DF, uma comitiva formada pela Comissão de Saúde da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), do Conselho Nacional de Enfermagem do Distrito Federal (Coren-DF) e do Conselho de Saúde do DF, foi até o presídio apara ver como estava a situação dos internos.

O que encontraram foi uma realidade bastante preocupante, sobretudo quanto às medidas de enfrentamento e combate à superlotação para impedir a disseminação da Covid-19. Havia casos de 13 internos em celas destinadas a duas pessoas, celas que era para ter oito detentos, chegavam a comportar 30.

Juliana Melo, doutora em antropologia e pesquisadora do sistema prisional, falou à Fórum que “não existe um atendimento de saúde que funcione efetivamente nos presídios”.

A antropóloga, que é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), explica que “na maior parte dos presídios a situação é extremante precária, muitas vezes são as famílias que têm que levar remédios para os internos e esses remédios demoram a chegar.”

Para a professora, é preciso suspender as prisões provisórias, como forma de evitar que pessoas saudáveis sejam levadas para um lugar sem condições de isolamento e nem de cuidados.

Para tanto, seria preciso somente a concessão da prisão domiciliar, o uso de tornozeleira eletrônica e aplicação de medidas alternativas. Mesmo porque, de acordo com a legislação, a prisão preventiva deveria valer somente para casos em que há perigo para a sociedade. E essa não é a regra dos aprisionamentos.  

A maioria dos presos, hoje, é formada por pessoas que cometeram crimes leves, muitas vezes sem uso de arma de fogo, sem falar que, entre as mulheres, a grande maioria está presa por tráfico de drogas, normalmente portando pequenas quantidades de entorpecente.

Nos presídios femininos o problema é o mesmo, sem falar das medicações sem nenhum acompanhamento psicológico. Segundo a professora, há casos em que mulheres são levadas a tomar psicotrópicos para ficarem “mais calmas”.

A professora Juliana diz, também, que “há relatos de mulheres que deram à luz dentro do presídio, de presos que morreram por falta de atendimento médico. Normalmente, para um preso ter o direito a um atendimento médico, a situação dele tem que ser muito grave e ainda vai depender da mobilização de outros detentos para que o atendimento chegue”.

No Rio Grande do Norte já há uma redução no número de prisões provisórias, salienta a professora Juliana Melo. “Quem sabe essa questão do Covid venha a nos fazer refletir sobre essa quantidade enorme de prisões provisórias desnecessárias no país", reflete.

No entanto, é preciso ressaltar que há uma grande diversidade dentro do sistema prisional brasileiro. Há regras administrativas diferentes adotadas em diferentes unidades prisionais. Os presídios federais costumam ter uma situação sanitárias e estrutural bem melhor quer a dos presídios estaduais.