A professora baiana Paula de Carvalho fazia uma trilha aos pés dos picos nevados da cadeia do Atlas, no Marrocos, na manhã do domingo (15), quando uma turista britânica veio dar o aviso a ela e ao grupo de turistas com quem fazia o tour: “O Marrocos vai se fechar, procurem as embaixadas de vocês”. Ao entrar em contato com a embaixada na casa de um guia onde o grupo almoçaria, soube que com a alta dos casos de Covid-19 de 7 para 28, o governo marroquino decidiu pelo fechamento de todos os aeroportos para voos comerciais e fronteiras terrestres e marítimas na segunda-feira (16).
A volta, programada para o dia 18 com a companhia aérea portuguesa TAP, foi cancelada. Antes, sob orientação da embaixada brasileira no país, já havia tentado, sem sucesso, adiantar a passagem, “mas site e telefones estavam sobrecarregados e não havia como contatar a TAP”, conta. Com o episódio, Paula se somou a um grupo de 105 turistas brasileiros que ficaram retidos no país, sem conseguir sair por qualquer via. Juntos montaram um grupo de WhatsApp para compartilhar meios de auxílio. Desde então, 14 pessoas conseguiram deixar o Marrocos, mas continuam retidos em países europeus, sem conseguir voltar para casa.
É o caso da roraimense Graziela Gervasoni, que conseguiu ir para Lisboa de carona em um avião da TAP fretado pelo governo de Portugal para a repatriação de portugueses. Em postagem nas redes sociais, ela diz “não saber qual foi o critério para a escolha dos brasileiros que poderiam ir na carona, porque dois amigos meus ficaram em Marrakech". Graziela deve sair de Lisboa no domingo (22), em um voo comercial também da TAP, pago por ela.
A comissária Gabriela Agorlo conta que os brasileiros, que estavam em diferentes cidades turísticas de Marrocos, como Fez, Agadir e Tangier, foram orientados a se reunirem em Casablanca e Marrakech, cidades de onde saem a maior parte dos voos partindo do país.
Foi para Marrakesh que viajou Gabriela, após ter seu voo para a Turquia cancelado também no dia 16. Segundo ela, “a Turkish deixou de vender bilhetes, o que foi muito correto; aquelas que vendiam bilhetes, o faziam para cancelar as viagens e não dar reembolso”, afirma, e complementa que, na esperança de ir embora, “houve brasileiro que comprou até quatro passagens e foram todas canceladas”. Sem ter para onde ir, já que afirma ter sido expulsa do hotel, ela está desde o começo da semana hospedada com mais quatro brasileiros na casa de um guia turístico que levou o grupo por diferentes cidades do país.
“Um amigo comprou um bilhete de R$ 9.000 no voo de repatriação dos portugueses, na esperança de vaga, e mesmo assim foi negado o embarque dele em Portugal. Nos últimos dias, sim, pararam de vender bilhetes”, comenta ela.
As pessoas no Marrocos, incluindo os brasileiros isolados, agora enfrentam toque de recolher. A partir das 18h desta sexta-feira (20) todas as pessoas devem permanecer em suas casas em todo o país. Segundo comunicado do Ministério do Interior marroquino, só poderão circular pessoas cuja presença no trabalho é imprescindível, e no caso, o empregador deve emitir um certificado. A única exceção à exigência do documento são "trajetos para fornecer os produtos necessários para a vida cotidiana no perímetro do local de residência, para receber cuidados necessários ou para obter medicamentos”, alertando que “todos os cidadãos são obrigados a cumprir essas medidas obrigatórias, sob pena de sanções previstas no Código Penal”. Atualmente o Marrocos soma 77 casos da doença, com três vítimas fatais.
Aeroportos lotados e hotéis vazios
Gabriela Agorlo, como outros brasileiros, recebeu um documento da Embaixada brasileira autorizando seu deslocamento ao aeroporto de Menara, em Marrakech, neste sábado (21). Ela e outras 202 pessoas, segundo o Ministério do Turismo, serão repatriados em um voo da Latam fretado pela Rede Record de TV. Segundo comunicado oficial, 73 profissionais da empresa estavam no país para participarem da gravação de uma novela.
A professora Paula de Carvalho, hospedada em um hotel de Marrakech, reclama da falta de ação tomada pelo governo brasileiro. “Quem está resgatando a gente aqui é a TV Record, que vai dar uma carona no seu voo. O que mais vejo aqui é reclamação de brasileiros; a grande maioria de outros países já foi embora, e acredito que os brasileiros sejam os últimos povos presos aqui”. Ela calcula que desde que foi informada do fechamento dos aeroportos, gastou mais R$ 10 mil, entre passagem da Royal Air Maroc que foi cancelada, hotel, deslocamentos e alimentação, toda feita no restaurante do hotel, já que não é permitida a saída. “Dinheiro emprestado de amigos e familiares que eu sinceramente não sei como vou pagar”, diz.
Em seus comunicados oficiais nas redes sociais, o Itamaraty afirmou em 17 de março que “acompanha com atenção a situação de turistas brasileiros no Peru, Marrocos, Vietnã, entre outros países. Por meio das embaixadas, estão sendo feitas gest?es junto a autoridades locais, para o pronto regresso de brasileiros”. O único informe a respeito dos retidos no Marrocos é o aviso do voo da Latam fretado pela Record.
Gabriela afirma que o cônsul brasileiro em Marrakesh disse a ela que os brasileiros seriam dos últimos a serem resgatados por não estarem em área de risco, como a China ou países europeus, e que deveriam aguardar por estarem em um dos melhores lugares em meio à pandemia. Registros em fotos e vídeos mostram a aglomeração de pessoas de diferentes nacionalidades dentro e fora de aeroportos marroquinos.
Mais de 12 milhões de turistas visitam Marrocos todos os anos, de acordo com dados de 2018 da Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas, tornando-o o destino mais popular da África.
Outros países, incluindo o Reino Unido, Alemanha, França e Espanha, vem organizando vôos de repatriação para seus cidadãos. Segundo o jornal norte-americano LA Times, na terça-feira, a Alemanha disse que gastaria mais de R$ 278 milhões para alugar aeronaves ociosas da Lufthansa para trazer de volta cerca de 100.000 alemães presos em férias em todo o mundo. A ministra das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, comparou a mudança com o "Berlin Airlift", pós-Segunda Guerra Mundial, a operação organizada pelos Aliados Ocidentais para abastecer Berlim durante o bloqueio soviético em 1948.