O médico sanitarista Pedro Tourinho tem apenas 38 anos, mas já é uma das maiores autoridades públicas em infectologia e saúde pública do país. Professor de medicina da PUC-Campinas, está no segundo mandato como vereador pelo PT. Tourinho conversou, nesta quinta-feira (12), com a Fórum sobre o coronavírus e a sua chegada ao Brasil. Para ele, o pior que pode acontecer é o governo tratar a pandemia como fez, num primeiro momento, o presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido-RJ), subestimando a crise e tratando o caso como se fosse “uma gripe qualquer”.
“O Bolsonaro, como sempre, age pautado pela ignorância, pelo desconhecimento, desinformação, pela rede de fake news que ele mesmo produz, enquanto o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que por mais que seja um ministro desse governo, é um técnico e está conseguindo produzir uma fala um pouco menos estapafúrdia do que a fala do Bolsonaro”, afirmou Tourinho.
De acordo com o médico, o coronavírus está longe de ser uma gripezinha qualquer, e essa fala do presidente cria inclusive um problema político para o Brasil. “Provavelmente, daqui a alguns poucos dias, o governo pode ter que adotar medidas mais severas. E como ele vai fazer? Vai chegar pra todo mundo e dizer: ‘eu errei, falei besteira’?. Isso pode, inclusive, adiar a tomada de decisão do governo, o que é um grande problema. O Bolsonaro jamais deveria se manifestar se ele não tem conhecimento técnico ou não está pautado adequadamente por técnicos”, alertou.
Para o sanitarista, o principal é o governo ter seriedade e agir rapidamente. Isto, para ele, significa fazer exatamente o mesmo que outros países como a China, Itália e, sobretudo, Cuba.
Capacidade de disseminação
Tourinho repete que o coronavírus é muito pior do que uma gripe comum. De acordo com ele, “nunca se deve olhar apenas a letalidade da doença, mas a sua capacidade de disseminação. Uma doença feito o ebola tem uma alta letalidade, mas o vírus tem uma baixa capacidade de se disseminar. Com cuidados básicos você contém. Já o coronavírus tem a capacidade de se disseminar pelo ar, com gotículas espalhadas pela tosse, por exemplo, e também sobrevive algum tempo em superfícies como corrimões, alças, balcões, mãos”, alerta.
O médico reafirma que foi por este fator que na China, por exemplo, foram adotadas medidas como a higienização em massa de transportes públicos, calçadas etc. tudo para poder matar o vírus. “Isso não é maluquice nem exagero. Então, quanto mais infectivo é o vírus, mesmo com letalidade baixa, o problema é maior”.
Ciclo não termina
Perguntado se o vírus já está cumprindo o seu ciclo e, por isso, os casos na China e Itália começam a diminuir, ele afirma que uma coisa não tem nada a ver com a outra. “O que acontece hoje na China e na Itália não tem nada a ver com o ciclo natural da doença. Ela tem uma coisa que é o que a gente chama de taxa de reprodução, a quantidade de pessoas saudáveis que são infectadas por cada doente”, explica. “Cada pessoa doente contamina 2,5 pessoas saudáveis. Isso significa que sem medidas muito fortes de controle da disseminação deste vírus, a doença não para sozinha. Ela vai infectar todo mundo. A China e a Itália adotaram essas medidas malucas de contenção de circulação de pessoas por conta disso. O que ficou demonstrado é que as medidas mais eficazes de mitigação, de contenção do impacto deste vírus na vida da sociedade, são as medidas de restrição de socialização, contenção de mobilidade das pessoas, restrições severas”, alerta.
Tourinho diz que este controle feito pela China, que é um caso reconhecido de sucesso, é decorrente única e exclusivamente da intensidade dessas medidas. “E a mesma coisa a Itália. E aí nós tempos um grande problema. Quer dizer que todos os lugares onde este vírus chegar vai ter que parar? Provavelmente sim. E já chegou no Brasil. A partir desta semana, a expectativa e ter um aumento exponencial de casos”.
O áudio do Jatene
Outro caso lembrado por Tourinho é o do áudio que circula pelas redes do médico Fábio Jatene, professor da Universidade de São Paulo (USP) e diretor do Instituto do Coração (Incor), que passou a circular nas redes sociais com relatos sobre uma reunião científica no próprio Incor com outras autoridades da área da saúde para discutir a pandemia do coronavírus. Para ele, o que Jatene diz é real, mas por enquanto é apenas um cenário. “Se o governo adotar as medidas certas, aquela realidade não vai ser confirmar. Se o governo falhar, este cenário vai se confirmar. O Jatene já conta que o governo não vai tomar as medidas corretas”, adverte.
A chegada ao Brasil
Já com relação as medidas para a chegada propriamente dita do coronavírus no país, ele diz que, em um primeiro momento, deve-se observar o padrão de disseminação do vírus, por conta de características climáticas do Brasil. “Aqui é mais ensolarado, quente, úmido, tudo isso diminui a capacidade do vírus de se espalhar. Porém o verão já está acabando, vai começar o outono e depois o inverno. Esse positivo pode ser positivo só por um tempo e depois podemos ter problemas”.
Por outro lado, e um tanto menos otimista, ele afirma que “se mesmo com esses fatores favoráveis, o vírus apresentar o mesmo padrão de outros países, aí o governo vai ter que tomar medidas mais drásticas. Cancelamentos de eventos com grandes contingentes, cancelamentos de voos, nada disso vai poder ser descartado como possibilidade. Não são medidas imediatas, mas seguramente daqui a uma ou duas semanas isso pode estar na ordem do dia sem nenhum tipo de alarmismo, de exageros, de nada disso”.
Sobrecarga dos serviços de Saúde
Outra agravante que o sanitarista aponta é o potencial que o coronavírus tem de sobrecarregar os serviços de saúde. “As pessoas podem vir a morrer não porque estão com o vírus, mas porque não conseguiram acessar o sistema de saúde por causa da sobrecarga. Isso tudo justifica um pais que tem 13% da sua economia associada ao turismo, como a Itália, fechar”.
A organização cubana
Ao final, ele lembra que esta capacidade de mobilizar a população para enfrentamentos deste tipo é imprescindível. Para ele, “Cuba tem uma capacidade de organização em saúde pública que é impressionante. Provavelmente sem paralelo no mundo todo. Cuba conseguiu enfrentar e derrotar problemas que até hoje a gente apanha, como a dengue, por exemplo. Em Cuba não tem dengue. Um país que, do ponto de vista climático teria todas as condições para ter dengue, mas não tem. Este e só um dos exemplos que dizem respeito a um modelo mais amplo de organização da sociedade, contratação de serviços, o que inclui essa capacidade de controlar essas doenças”, encerra.