Escrito en
COLUNISTAS
el
Por Jarid Arraes
Na última semana, após o encontro da desaparecida Elizabeth Gomes da Silva - mais conhecida como "viúva ou mulher de Amarildo" -, novas manchetes sobre a diarista voltaram a encher os sites de notícias: dessa vez, há a possibilidade de que Elizabeth seja indiciada por abandono material dos filhos menores de idade.
Antes de pular para conclusões e condenar Elizabeth, é preciso questionar e pontuar alguns fatos de sua recente história. Segundo sua família, Beth tinha recaído no abuso de álcool e outras drogas por causa de seu sofrimento devido à morte de Amarildo, assassinado por policiais militares. Lidando com uma vivência problemática de luto e tendo que continuar a atuar politicando e protestar pela apuração do assassinato de seu marido, além do mal estar gerado por todo o racismo sofrido nas mais diversas maneiras, Elizabeth ficou péssima. Ainda, segundo diversos portais de notícia, a diarista tinha até conseguido acompanhamento psicológico gratuito; porém, não conseguia comparecer à psicoterapia, pois não podia deixar de trabalhar nos períodos em que o atendimento ocorreria.
Infelizmente, Elizabeth é mais um caso de mulher negra, pobre, da periferia e que sustenta sua família as custas de trabalho mal remunerado como faxineira - e, por causa do racismo e da misoginia, entra em um quadro de sofrimento psicológico grave, resultando em situações de perambulação e desaparecimento. Muitas dessas mulheres são indiciadas criminalmente por terem deixados seus filhos em casa sozinhos, inclusive no período em que estão no trabalho, mas não contam com ninguém para cuidar das crianças e nem possuem acesso a creches públicas. Beth é mais uma mulher criminalizada pelo Estado, que a desamparou em primeiro lugar.
Aqueles que clamam pelo linchamento da diarista obviamente não possuem conhecimento embasado e válido sobre Saúde Mental e agem com ímpeto odioso, sem qualquer traço de empatia. Elizabeth deixou seus filhos menores com os irmãos mais velhos, saiu pelas ruas por causa do seu sofrimento e, lamentavelmente, não conta com a compreensão e suporte das pessoas. Até mesmo integrantes do Movimento Negro chegaram a declarar nas redes sociais que a atitude de sair de casa era irresponsável e que, por isso, se tornava difícil respeitar a viúva de Amarildo.
Isso tudo, desde a possibilidade de ser indiciada até a reação machista de alguns homens negros supostamente politizados, tem como raíz a negligência naturalizada e a constante hostilidade pelas quais passam as mulheres negras brasileiras. Protagonizando os piores índices de todas as pesquisas sociais realizadas pelo IBGE, ser mulher negra no Brasil é um constante calvário. Mas quem será que buscará solucionar essa realidade se não as próprias mulheres negras, que precisam contar com força sobrehumana e lutar por seus direitos mesmo sob atos de misoginia, violência sexual, pobreza e racismo?
Aos que pedem sua condenação, devemos questionar onde se encontram e o que fazem quando milhares de crianças negras e pobres perdem a infância em sinais de trânsito e em ruas imundas. Não há qualquer comoção por elas, nem cobranças para que o Estado se responsabilize por essas vidas. Parece até que a preocupação só existe quando se tem a oportunidade de lançar uma mulher debilitada ao escracho popular. Aos integrantes do movimento negro que, apressados em julgar Elizabeth, se negam a somar forças com o Feminismo, resta questionar se em suas mentes o racismo só atinge aos homens negros. É necessário ter coerência política e lutar também pelas mulheres negras, que não apenas sofrem com as mortes de seus irmãos, maridos e filhos, mas também suportam diariamente um carga desumana de machismo especialmente racista.
O Conselho Federal de Psicologia, bem como seu braço regional, também deve acompanhar o caso e usar seus meios para oferecer auxílio à Elizabeth e sua família. Pelo menos em um caso com tamanha repercussão midiática, esperamos que o CFP consiga ir além de suas notas publicadas na internet e se posicione efetivamente para combater o racismo brasileiro, ignorado de forma tão perversa pela Psicologia nacional.
(Foto de capa: Fernando Frazão / Agência Brasil)