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Na semana passada, diante das suspeitas que ligavam a família Bolsonaro e o próprio presidente aos suspeitos de assassinarem a vereadora do PSOL, Marielle Franco, e seu motorista, Anderson Gomes, o governo parecia estar próximo de sua perfect storm. A bombástica matéria do Jornal Nacional parecia ser o golpe de misericórdia num governo acossado pela crise no interior do PSL, pelos áudios de Queiroz, pela derrocada de Macri e Piñera, pelo desastre ambiental no litoral do Nordeste e pela ausência de perspectivas de retomada da economia.
Manifestações foram convocadas em todo o país e setores minoritários da oposição passaram a discutir se seria o momento de iniciativas mais ofensivas, como o lançamento de um movimento pelo “Fora Bolsonaro” ou mesmo uma ação de impeachment contra o presidente. Uma semana depois, a situação parece ter se alterado.
Mesmo com as declarações do Ministério Público, afirmando que o porteiro mentiu ao testemunhar ter visto um dos suspeitos do assassinato de Marielle procurar a casa 58, as dúvidas envolvendo a investigação do caso continuam. Seria o porteiro que testemunhou o mesmo que aparece nos áudios? Poderia o sistema de gravação do condomínio ter sido adulterado? Se não havia referência nos áudios ao presidente, porque o MP foi ao STF consultar Dias Toffoli sobre como proceder? Por que o porteiro anotou, no caderno de visitas, o endereço de Bolsonaro se o visitante, na verdade, visitou outra casa? Qual a participação de Carlos Bolsonaro nisso tudo?
Apesar das dúvidas, a semana parece marcar uma nova trégua entre Bolsonaro, a grande imprensa e os representantes do capital. Tudo porque o governo enviou ao Senado Federal um pacote de medidas que busca reestruturar completamente o Estado brasileiro. A chamada “PEC Emergencial” traz uma série de regras permanentes e transitórias relativas a despesas obrigatórias, com o objetivo de reduzir os gastos públicos por meio de um forte ajuste fiscal.
A “PEC do Pacto Federativo” traz um conjunto de medidas para “revisar o pacto federativo” e prevê desindexação orçamentária, com a desvinculação dos investimentos mínimos obrigatórios em saúde e educação, dentre outras medidas. A “PEC dos Fundos” traz a extinção de 281 fundos públicos e sua substituição por um megafundo de abatimento da dívida pública e remuneração do sistema financeiro. E a proposta de Reforma Administrativa propõe reestruturar as carreiras do serviço público, com redução salarial, fim da estabilidade, proibição de filiação partidária e outros ataques aos trabalhadores e trabalhadoras desse setor.
Diante das medidas anunciadas pelo ministro Paulo Guedes os analistas econômicos da grande imprensa responderam em uníssono. "Reforma audaciosa", "Revolução constitucional", "Proposta ousada". Esses foram alguns dos termos usados nos editoriais dos grandes jornais na manhã desta quarta-feira (6), um dia após a oposição protocolar no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, quase sem cobertura da grande mídia, representação contra as ameaças de Eduardo Bolsonaro à democracia. Quando o assunto é economia, os agentes econômicos e suas vozes na imprensa são bolsonaristas. Afinal, negócios são prioridade!
Se estamos diante de uma trégua entre Bolsonaro e as poderosas vozes da imprensa monopolista – como vimos recentemente na votação da Reforma da Previdência – ainda é cedo para dizer. Mas o apoio dado ao pacote de Guedes chama a atenção.
As suspeitas envolvendo as investigações do caso Marielle desapareceram dos jornais. A crítica aos absurdos proclamados por Eduardo Bolsonaro e Augusto Heleno idem. É verdade que o fracasso do leilão do pré-sal, esta semana, representou uma derrota do governo, incidindo negativamente sobre o comportamento dos chamados “agentes financeiros”. Mas nada que possa ser atribuído a instabilidades de natureza propriamente políticas.
Uma das lições da última semana é que o fator que pode desequilibrar o cenário é, fundamentalmente, o peso das ruas na oposição a Bolsonaro. Ao longo de 2019, a principal mobilização se deu quando foram anunciados cortes no orçamento da educação, mostrando o dinamismo da juventude e dos trabalhadores e trabalhadoras do ensino.
Desde então, as mobilizações têm ficado aquém do necessário para expressar uma mudança na correlação de forças em favor de posições progressistas. Os atos deste dia 5 de novembro, convocados pelas frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, embora importantes, não demonstraram uma mudança sensível do cenário de impasse que marcou todo o segundo semestre: um governo desgastado, sem maioria parlamentar e acossado por todo tido de denúncias, mas com uma agenda econômica que segue avançando com pouca resistência popular.
A lição que devemos extrair da “montanha-russa” da última semana é que a alteração desse quadro depende de uma soma de fatores que estão se reunindo pouco a pouco. A tempestade perfeita pode chegar sem avisar – como aconteceu em 2013 no Brasil ou, nas últimas semanas, no Chile – e temos que estar preparados. Mais que isso: há tarefas que dependem exclusivamente das forças de esquerda. Mas clamar pela mudança não fará com que ela chegue mais rápido.
Para lidar com os altos e baixos da conjuntura sem se deixar levar pelo impressionismo ou pelo voluntarismo, é necessário ter confiança no povo. A experiência com o bolsonarismo – a tragédia social que se aprofunda, as saídas econômicas ineficazes, o ódio e a intolerância disseminados permanentemente – fará com que as posições da esquerda logo voltem a ter a audiência das maiorias. Nesse momento devemos estar prontos – e muito próximos do povo – para oferecer nossas saídas e transformar o Brasil, finalmente, num país digno para todos e todas.