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Gente, pra variar, continuo na boca do povo. Agora foi a vez do suplemento cultural do Diário Oficial de Pernambuco (olha que chic! Adoro o estado de Pernambuco. É praticamente uma colônia holandesa dentro do Brasil) fazer uma matéria com a minha pessoinha iluminada.
A responsável por essa matéria de-li-ci-o-sa é a grande Fabi, jornalista das mais competentes e doces que já conheci. O único porém que faço, é que algum amarguinho roubou minha senha e deu uma entrevista amarguíssima em meu nome. Pensei em acionar minha equipe jurídica, mas já desisti. Briga judicial não combina com meu way-of-life.
Bom, agora que já fiz o meu parênteses, deliciem-se:
UM BEIJINHO EM QUEM LER ESTA PÁGINA
Fabiana Moraes
“Caipirinha, guaraná e grafite encantam cineasta indiano” (título de materia publicada em portal jornalístico); “Stevie Wonder teve um probleminha de parto prematuro, daí ficou cego” (apresentadora Didi Wagner durante o Rock in Rio); O Globo: “Por que você corta o seu cabelo?” Justin Bieber: “Às vezes não há motivo” (trecho de entrevista com o cantor adolescente). Os exemplos vistos acima fazem parte da onda de candura que afeta o jornalismo nacional, seja ele veiculado na TV, nos impressos, nas rádios ou internet. Nesse mar azul midiático, mais do que analisar um fato distinto em si, é preferível dar atenção à doçura potencial de um evento, de uma frase, de uma aparição. Sorrisos, troca de elogios e comentários ligeiros - que só se aproximam de campos mais espinhosos no plano superficial - são algumas das características desse produto cuja linguagem se assemelha ao que o sociólogo Sergio Miceli, chamou, no livroA noite da madrinha, de “mito da lareira”. A definição fica por conta do próprio autor: “trata-se de um estoque determinado de significantes (lugares-comuns, expressões consagradas, verbos com aspirações poéticas, palavras nobres) e de uma série de técnicas e recursos cuja finalidade consiste em liricizar a fala (adjetivação carregada, uso intimista, explosões exclamativas, eufemismos, metáforas caducas etc.) e desfechar efeitos seguros”. O objetivo central desta técnica é, continua ele, provocar um efeito sentimental e oferecê-lo já detonado e comentado. “O mito da lareira reproduz (…) o modelo cultural da sociabilidade pequeno burguesa”. Ali, Miceli analisava, no Brasil regido pela ditadura militar dos anos 1970, o programa de Hebe Camargo.
A apresentadora que notabilizou o “gracinha!” nos serve aqui como uma espécie de totem desse jornalismo da candura: é como se suas expressões e mesmo sua lógica, empregadas originalmente no ambiente do entretenimento, no calor ficcional do seu sofá, tivessem migrado para uma esfera em que um dos propósitos – o da informação – foi colocado em segundo plano. Essa observação não exclui o fato de que no jornalismo voltado para o grande público sempre houve chiste e entretenimento, e não apenas notícias: era comum, nos jornais populares do século 19, a publicação de “reportagens” totalmente ficcionais (entrevistas com o Barba Azul, com o bebê-demônio etc). Por outro lado, os perfis e matérias sobre o “homem comum” ganharam espaço. O historiador da imprensa Michael Schudson afirmou que os jornais baratos (penny press) foram os primeiros a reconhecer a importância da vida cotidiana e os primeiros a trazer “artigos de interesse humano”, ambos moedas fortes no jornalismo atual.
A diferença é que, neste momento, jornais como o Tribune ou o The New York Times faziam questão de manterem-se afastados daquilo o que poderia ser visto como mera diversão – uma política que os diários “sérios” mudariam completamente com a queda de leitores e o fortalecimento, nos anos 1980, daquilo que foi chamado de infoentretenimento. É justamente nesse fenômeno híbrido que o jornalismo do “oooooown”, o “jornalismo da lareira” (dilatando o termo de Miceli), vai ganhar espaço. E dá-lhe entrevista exaltando as qualidades físicas e artísticas de famosos (que estabelecem, de saída, aquilo o que não pode ser perguntado pelo repórter); a promoção de determinados políticos através de declarações sobre os mais variados assuntos; a criação de “afetividades” com propósitos eleitorais (quem não lembra da capa da Veja que trazia um José Serra super fofo, inspirando milhares de internautas a criarem o movimento Meiguice Serra?). O “tá dominado” da candura jornalística não passou batido, é claro. Artigos, dissertações e teses exploraram o fato observando vários dos seus filhotes (o jornalismo cor-de-rosa, o jornalismo “cidadão”, os sites de notícias de moda etc).
Um irônico perfil de Twitter estabeleceu uma nova nomenclatura para o fenômeno, denominando-a como Jornalismo Wando (ver entrevista). Nas postagens, o autor abusa da intimidade (chama, por exemplo, a jornalista Míriam Leitão de “Mi”), das exclamações e dos elogios, vários deles dedicados a nomes como o do líder do PSDB no Senado, Álvaro Dias. Recentemente, @JornalismoWando concedeu o título Honóris-Fófis ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, uma resposta engraçadíssima ao fato de que não ele, mas outro ex-presidente, Lula, recebeu uma condecoração em uma universidade francesa. Vários jornalistas questionaram a láurea. Apesar do tom de brincadeira - que não esconde sua fina ironia, o Jornalismo Wando nos leva a observar com mais atenção as propriedades de uma profissão que hoje parece se dirigir muito mais a um consumidor/espectador, e não a um leitor que pode reorganizar suas práticas a partir do que está escrito – inclusive questionando o que está colocado.
Não se trata de moralismo: divertir-se é direito fundamental para nós que, cada vez mais, somos tratados como impressoras multifuncionais. Mas é preciso saber que, ao manter o consenso, ao não evocar a discussão, o “jornalismo da lareira” termina servindo como um poderoso veículo político que diz sorrindo para você: “simplesmente mantenha as coisas como elas estão”.
Fabiana Moraes é jornalista, doutora em sociologia e autora do livro Os sertões, publicado pela Companhia Editora de Pernambuco
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