Sobre o novo ministro da Educação, por Elika Takimoto

Não há projeto para educação. A escola de Bolsonaro nunca foi pautada pelo conhecimento, mas em agradar grupos que o apoiem

Milton Ribeiro - Foto: Reprodução
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Nunca espero que venha algo bom de qualquer coisa que Bolsonaro esteja envolvido. O quarto nome indicado para ministro da Educação é um pastor. Qual o problema ser pastor nesse governo, né? Já deveríamos estar acostumados, afinal, temos a pastora Damares no comando do ministério dos Direitos Humanos e o pastor ministro da Justiça. Todos “terrivelmente evangélicos”, termo usado pelo próprio Bolsonaro.

Como professora que sou há uns 25 anos, o meu corpo chega a doer vendo essa pasta sendo alvo de grupos conservadores. Nada contra religião, mas tudo contra o fundamentalismo religioso regendo as leis e a conduta deste país.

Não vejo discussão alguma sobre a Educação desde que Bolsonaro assumiu. Só me deparo com várias tentativas de atender a essa alucinação coletiva. Não há projeto para educação. A escola de Bolsonaro nunca foi pautada pelo conhecimento e pela competência da pessoa e sim em agradar grupos que o apoiem.

Falei, assim que o pastor Milton Ribeiro foi nomeado, que não importa a religião dele, contanto que não a use para comandar essa pasta essencial para o futuro do país. Mantenho o que disse. Porém, agora, já tenho como traçar um perfil desse pastor depois de ter visto vários vídeos, disponibilizados pelo próprio, sobre seus valores e sua visão de educação. Não trago boas novas, mas é preciso e urgente que elas sejam explicitadas.

Para citar somente três exemplos, o pastor já:

1- Justificou o feminicídio: Ele afirmou que um homem de 33 anos que matou uma adolescente de 17 “confundiu paixão com amor”. Ao tentar justificar o feminicídio, o pastor ministro disse que paixão “é louca mesmo”. “Acho que esse homem foi acometido de uma loucura mesmo e confundiu paixão com amor. São coisas totalmente diferentes. Ele, naturalmente movido por paixão, paixão é louca mesmo, ele então entrou, cometeu esse ato louco, marcando a vida dele, marcando a vida de toda família. Triste”, disse.

Vê-se que o pastor nem sequer acompanha a evolução da nossa história. O que motiva homens a matarem mulheres não é o amor, nem a paixão e sim um sentimento de ódio e de propriedade, um sentimento de ter sido contrariado. Não existe “crime passional” e sim feminicídio. Quando se repete a ladainha que se matou por paixão, se induz a condição de atenuante de pena, e dá a entender que estamos falando de algo natural. Não é. É cultural. E essa fala do pastor ajuda a fortalecer essa cultura machista e contribui e muito para que outros crimes aconteçam.

2 - Disse que “Quando o pai é ausente dentro da casa, o inimigo ataca. Quando não impõe, essa é a palavra, a direção que a família vai tomar (…) o homem dentro de uma casa, ele aponta o caminho que a família vai”.
Eu poderia trazer dados do IBGE aqui que apontam que as mulheres têm chefiado mais famílias – mesmo quando possuem marido – representando a quase 50% dos casos e poderia mostrar como isso não tem nada a ver com a índole da família baseado em análises feitas e publicadas. Mas não importa porque para o pastor, como ele mesmo disse, o homem é responsável por “apontar o caminho”, dando a entender, obviamente, que o caminho apontado é o da moral.

Se o pastor usasse essa fala para denunciar o abandono paterno, seria um serviço. Mas não há vídeo, por mais que eu tenha procurado, que mostre que o pastor tenha esse tipo de preocupação com quase 6 milhões sem o nome do pai no registro. Também não encontramos nenhuma fala que demonstre um átimo de inquietação com o fato de que a maioria dos domicílios brasileiros tem mulheres negras como responsáveis pelo núcleo familiar. São elas que estão mais sujeitas à maternidade solitária, fruto de uma sociedade machista e de tradição escravocrata.

Que ter pai é importante, todos nós que temos ou deixamos de ter sabemos. O ponto é que a figura paterna tem várias funções relevantes na educação e a presença de um pai dentro de casa não quer dizer que, somente por causa dela, a família terá um norte moral e bom a seguir. O pastor desconsidera dados e a complexidade da sociedade.

3 - Falou com todas as letras, pasmem, que: “Não dá para argumentar de igual para igual com criança, senão ela deixa de ser criança. Deve haver rigor, SEVERIDADE. Vou dar um passo a mais, talvez algumas mães até fiquem com raiva de mim: deve sentir DOR”. O “ensinamento” está em trecho de uma pregação que pode ser encontrada no canal de vídeos do próprio ministro da educação.

Segundo o pastor-ministro, a “cura” para uma criança não vai ser obtida por métodos “justos e suaves”. “Talvez uma porcentagem muito pequena de criança precoce, superdotada, é que vai entender seu argumento. Deve haver rigor, severidade.”

Ora, senhor pastor, a Educação deve ser usada para combater a violência e, portanto, não devemos usá-la. Mais uma vez, essa fala mostra o quanto o pastor está desatualizado sobre estudos na área da Educação. Para começar a “Educação” não pode ser pensada sozinha e sim juntamente com a saúde, justiça, cultura, esporte, de relações da comunidade e muito mais.

Para além disso, está nos nossos documentos oficiais, como Base Nacional Comum Curricular (BNCC), importantes referências para a Educação como proteção contra a violência. Entre as que mais se relacionam ao assunto, destaco as seguintes: a de argumentar e promover os direitos humanos (No 7), a de exercitar a empatia e valorização dos diferentes saberes e identidades (No 9) e o reforço pela autonomia, tomada de decisões com base em princípios democráticos e inclusivos (No 10).

Estudos apontam que até a metade do século 20 os castigos físicos e punições corporais (ou não) eram práticas educativas socialmente aceitas e recomendadas, sendo utilizadas como instrumento de disciplina moral, garantia de respeito e obediência especialmente à figura do pai, que, dentro de uma sociedade machista, foi considerada por tanto tempo como autoridade tanto para a esposa quanto para os filhos.

Se as pessoas considerarem o que o ministro-pastor disse, descartarão um fato apontado por vários especialistas na área que as punições físicas, ameaças, privação de privilégios e afetos não levam a criança a compreender as implicações do que fez.

Por outro lado, quando não usamos violência, favorecemos a internalização valores, por propiciarem à criança a compreensão dos motivos que justificam a necessidade da mudança de comportamento, colocando-a como sujeito ativo em seu processo educativo e não como alguém submissa a ele.

Em outras palavras, não faltam livros que mostram que o uso de punições não é considerado eficaz à educação da criança e do adolescente na medida em que produz consequências negativas ao seu desenvolvimento a curto, médio e longo prazo.

A verdadeira autoridade não é violenta. E, se tivermos que usar a violência para sermos ouvidos, falhamos como educadores, pastor. Toma essa verdade.

Lamento profundamente em ter uma pessoa tão retrógrada, primitiva, antiquada, preconceituosa, desatualizada, absoleta e machista comandando uma pasta essencial para um futuro menos injusto.

Seguimos na luta pela cassação dessa chapa porque não há luz no fim do túnel enquanto Bolsonaro estiver presidindo esse país.