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[caption id="attachment_137981" align="alignnone" width="600"] Foto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula[/caption]
O jogo da política é esporte coletivo. Ninguém faz política sozinho, nem mesmo nas tiranias, nem mesmo nos regimes de poder mais autoritários. As alianças sempre são importantes, estão sempre sendo costuradas, em todos os lugares onde podemos encontrar seres humanos praticando política.
E os seres humanos, leitor e leitora, praticam política em tudo quanto é lugar, estão sempre costurando alianças. É isso que nos humaniza.
Costuramos alianças no trabalho, quando nos aproximamos de determinados colegas e nos afastamos de outros. Costuramos alianças até mesmo em casa, na família, quando construímos relações de afinidade e afeto mais intensas com um irmão e não com o outro, com um primo e não com o outro, com a mãe, ao invés do pai.
Os políticos profissionais, como não poderia deixar de ser, têm na costura de alianças o fundamento do seu ofício.
Neste ensaio, falo sobre alianças, tomando como objeto de reflexão as tratativas que envolveram PT e PDT visando uma aliança progressista nas eleições presidenciais de 2018.
Ao que parece, essa aliança não vai acontecer, pelo menos não no primeiro turno. Acho difícil que aconteça depois também.
Meu objetivo aqui é examinar a movimentação dos atores envolvidos fora do clima de histeria que tomou a militância de ambos. Quero reconstruir as estratégias acionadas pelas lideranças petistas e pedetistas, examinando as suas expectativas.
Vamos lá, passo a passo, começando por Ciro Gomes.
A estratégia de Ciro foi coerente com sua leitura da crise. A leitura, talvez, tenha sido equivocada, mas a estratégia foi coerente. Explico.
Em outubro de 2016, na ocasião das últimas eleições realizadas no Brasil, todos os dados disponíveis apontavam para o colapso do Partidos dos Trabalhadores: redução drástica no número de prefeituras ocupadas, de mandatos parlamentares, sem contar a derrota acachapante em São Paulo, onde Fernando Haddad, em exercício do mandato e com o controle da máquina, foi batido ainda no primeiro turno por João Doria.
Por aqueles tempos, não seria um absurdo decretar a morte do PT. Foi essa a aposta de Ciro Gomes, que viu aí a chance de inaugurar um outro equilíbrio de forças dentro do campo progressista.
Durante quase dois anos, Ciro investiu nessa estratégia, criticando duramente os governos petistas. Ora o alvo de críticas era Lula, acusado de não ter feito nenhuma mudança estrutural, “a não ser a tomada de três pinos”, pra lembrar a ironia feita numa entrevista a Lázaro Ramos. Em outros momentos, era Dilma quem estava na alça de mira, acusada de “não ser do ramo”.
Em entrevista a Paulo Moreira Leite, Ciro chegou a chamar Lula de ladrão, endossando parte das acusações feitas pela Operação Lava Jato.
Tudo isso pode ser somado à ausência de Ciro Gomes nos palanques petistas, tanto em Monteiro, na ocasião da inauguração da transposição do Rio São Francisco (março de 2017), como nas manifestações que aconteceram em São Bernardo do Campo, na ocasião da prisão de Lula (abril de 2018).
A mensagem estava clara: Ciro estava disputando a hegemonia dentro do campo progressista. Lendo a conjuntura, Ciro achou que poderia vencer, e apostou alto.
O caminho para a vitória passava pela costura de alianças, e Ciro Gomes sabia perfeitamente disso. Ciro investiu, então, na aproximação com o tal do “centrão”, antigo aliado do PT, especialmente durante a era Lula.
Foram meses de conversas, de promessas recíprocas. Mas a conjuntura mudou (em momentos de crise, as conjunturas mudam muito rápido) e Ciro Gomes sofreu um duplo revés:
1°) A recuperação do lulismo.
A agenda do golpe neoliberal se tornou extremamente impopular. O governo de Temer não conseguiu se apropriar da narrativa de combate à corrupção. Além disso, o desmonte do Estado, o ataque à CLT e a tentativa de destruir a previdência pública, colocaram Temer em confronto direto com o imaginário popular, que desde os anos 1930 é atravessado pela ideia de que cabe ao Estado prover direitos sociais e amparar os mais pobres.
Direitos trabalhistas e previdenciários são coisas sagradas para os brasileiros e brasileiras. O golpe neoliberal foi inábil, afobado e pode até ter colecionado vitórias institucionais (a PEC dos gastos e a reforma trabalhista, por exemplo), mas se desgastou na opinião pública.
Com esse desgaste, o capital político de Lula foi reabilitado. Lula se tornou o grande antagonista do golpe neoliberal, ainda que quando Presidente tenha sido dócil com os interesses neoliberais.
Lula passou a ser representado no imaginário popular como o novo “pai dos pobres”, personificando a função social do Estado.
No imaginário dos mais pobres, a imagem de Lula lembra o prato mais cheio, lembra o crédito facilitado, a energia elétrica, a cisterna. A imagem de Lula lembra a “vidinha digna”, que nos valores populares significa comer três vezes por dia e ter algum conforto material para “criar os meninos”.
Só isso que explica aquele que, ao menos na minha avaliação, é o dado mais impressionante da crise brasileira contemporânea: mesmo preso, mesmo sendo alvo do mais violento ataque midiático da história do Brasil, Lula ainda venceria as eleições presidenciais, talvez em primeiro turno.
Ciro Gomes subestimou a capacidade do lulismo de sobreviver à crise. Ninguém faz política no campo progressista sem reivindicar o legado de Lula. Ciro achou que dava pra superar Lula. Errou.
2°) O conservadorismo do “centrão”.
O centrão é conservador, se alimenta da fisiologia e, por isso, diferente do que fez Ciro Gomes, escolheu apostar baixo. Lendo a conjuntura, o centrão acredita que a polarização ideológica que marcou a história política brasileira nos últimos 25 anos irá se manter nas eleições de outubro: PT x PSDB.
É com esse cálculo, de que a crise não alterou profundamente a sensibilidade do eleitor brasileiro, que o centrão se divide entre um apoio formal a Geraldo Alckmin e um apoio informal a Lula.
Os partidos do centrão escolheram Alckmin, mas lideranças importantes flertam com Lula, como é o caso de um Edson Lobão, de um Renan Calheiros, de um Eunício Oliveira.
Ciro queria o apoio do centrão para isolar o PT e, depois, ditar os termos da aliança. Ciro ficou a ver navios. O centrão lhe disse “não vamos trocar o certo pelo duvidoso”.
Depois do “não” do centrão, Ciro reorientou sua estratégia, adotando um tom mais simpático a Lula e ao PT, como ficou claro na sabatina da GloboNews, que aconteceu na semana passada. Quando teve que criticar, Ciro criticou Dilma. É redundante criticar Dilma. É fácil criticar Dilma. Com Lula, Ciro foi gentil, elogioso, bem diferente do que fez ao longo de todo esse tempo.
Por seu lado, o PT, nas cordas e com o seu grande líder preso e inelegível, pensou seriamente na possibilidade de coligar com Ciro Gomes. Hoje, Ciro é mais forte do que qualquer quadro interno do PT. Todas as pesquisas mostram isso.
O PT abocanhou o PCdoB e o PSB, para isolar Ciro Gomes e forçá-lo a uma aliança tutelada.
Entendem, leitor e leitora? As duas partes queriam a mesma coisa: isolar o adversário e depois construir uma aliança tutelada.
Quem perdeu e quem venceu?
Por ora, só dá pra responder parcialmente.
Dá pra cravar que Ciro Gomes já perdeu. O PT ainda não perdeu. Pode perder, mas também pode ganhar.
Ciro apostou alto, foi ousado e corajoso ao confrontar o capital político mais valioso da história do Brasil. Se tivesse dado certo, seria uma vitória épica que refundaria o campo progressista brasileiro. Não deu certo e se nada mudar, se as lideranças dos dois partidos mantiverem suas posições atuais, Ciro Gomes será o primeiro derrotado nas eleições de 2018.
Já o PT vai apostar na estratégia da transferência de votos que já deu certo com Dilma. A diferença é que agora Lula não estará solto por aí, fazendo campanha.
Mas Lula ainda precisa fazer campanha? Ele já não é conhecido, amado e respeitado o suficiente para transferir votos para qualquer poste sem precisar pisar no palanque?
O PT acha que sim. Só o tempo dirá.
Verdade, verdade mesmo é que ninguém é mocinho nessa história, tampouco vilão. Tanto Ciro como PT são players se movimentando no tabuleiro da política. Na política, aliado bom não é aquele com quem tenho afinidade ideológica. Esse pode até ser meu amigo, mas pra ser meu aliado precisa trazer algo. Pra que serve um aliado que só traz ideias, que não tem voto, que não tem mandatos no congresso? Esse aliado não serve pra nada.
Aliado bom mesmo é aquele que é forte o suficiente para agregar capital político, mas não é forte o bastante para ditar os termos da aliança. É esse o aliado com quem todos eles sonham: a esquerda, a direita e o centrão.