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As classes dominantes sempre se empenharam em construir uma forma de ódio para, assim, ser possível desviar a atenção da exploração que exercem. No caso brasileiro, foi assim no período imediato a Independência, quando se forjou um antilusitanismo, ou na Proclamação da República, quando se forjou um sentimento de aversão ao arcaísmo simbolizado pelo Império, ou até mesmo no golpe de 1964, quando se forjou um perigo vermelho (fórmula que deu certo em 1937, quando Vargas funda a ditadura do Estado Novo).
A moda europeia de hoje (embora tenha sido recorrente em outras etapas da história do Velho Mundo) é o ódio ao imigrante. Já aqui no Brasil se estabeleceu, por um lado, um ódio às liberdades individuais em nome de uma suposta moral e, por outro, um ódio ao “discurso de ódio”, referente ao discurso conservador.
Além dos inúmeros problemas que isso vem acarretando, existe o fato de as esquerdas se deixarem seduzir por um debate inventado pela “direita vulgar” (MBL e seguidores de Jair Bolsonaro). Como esta não é capaz de falar sobre questões estruturais - econômicas e políticas – viu-se obrigada a reduzir seu oponente político ao que, supostamente, domina: a questão da moralidade. A esquerda se resume, para esse grupo reacionário que passou a ter grande influência, principalmente nas parcelas mais jovens da população, a um grupo que luta pelo direito de um homem poder se apresentar nu, pelo direito ao aborto, casamento gay e outras tantas pautas morais. A partir daí, essa tal “direita vulgar” justifica a sua própria estupidez, porque se a esquerda defende o “homem nu”, por que Bolsonaro não pode ensinar uma criança a simular uma arma? Com base nesse raciocínio nada impede esse grupo de defender as asneiras que o deputado fala, de acreditar que existe um movimento para derrubar a direita através da apuração das fake news etc..
A maior estupidez da esquerda é responder a tudo isso com a mesma moeda: resumindo-se à moralidade. É possível que tenha sido ela própria que cavou sua cova ao valorizar estas questões após a queda da URSS, mas ao se resumir à moralidade, ao que se chama de “politicamente correto”, abriu espaço para o “politicamente incorreto”, já que tudo é uma questão de ponto de vista e não de interesses econômicos.
A visão econômica que importa
A direita liberal, por seu turno, critica arduamente o deputado e candidato à presidência da República Jair Bolsonaro. A Folha de S. Paulo, O Globo, a Rádio CBN e os outros veículos da grande mídia descarregam sobre o presidenciável um verdadeiro discurso de repulsa. Mas não conseguem criticá-lo economicamente, pois, neste quesito, ele não se diferencia tanto assim dos projetos propostos pelo governo Temer. Quem duvida que se Bolsonaro assumir o poder, os banqueiros controlariam a política?
O debate moralista acabou por fechar os nossos olhos para a trama que há na manipulação da opinião pública em criticar ou amar cegamente Bolsonaro. As grandes corporações empresariais e midiáticas apoiam a política econômica do candidato do PSL, mas o criticam superficialmente. O povo que, por sua vez, não morre de amores pela mídia, acha que Bolsonaro está sendo vítima do poder manipulador da imprensa, mas, na verdade, o povo é quem é a vítima de uma farsa muito bem orquestrada.
A mídia não é contrária à Bolsonaro, para ela tanto faz, o objetivo é fazer com que o povo seja contra ou à favor de um político na superfície das contradições sociais, isto é, na moralidade (o que envolve também a questão da corrupção). Ela apoia a visão econômica do candidato líder nas pesquisas, e isso é o que realmente importa. Os cidadãos ficam discutindo questões morais, desfazem amizades, gritam uns com os outros, trocam ofensas nas redes sociais, enquanto não percebem que é o projeto econômico das elites, o qual tanto Bolsonaro, quanto Alckmin, Marina, Ciro Gomes e até mesmo Lula, coadunam que está em questão. Nunca houve uma derrota desse projeto desde os fazendeiros escravistas do período do Império. Hoje ele se edifica através da exploração agressiva da mão de obra interna, da deterioração dos direitos trabalhistas e da privatização lenta e gradual da Petrobras para o capital externo, além do sucateamento do setor público, saneamento básico, saúde e educação.
A mídia, braço direito das classes dominantes, não é contra ninguém, ela só quer produzir o consenso em relação ao projeto econômico que satisfaça os interesses do grande capital. Ela será contrária apenas ao político que se coloque em oposição a esse projeto, que hoje é um ser em extinção. A prisão de Lula é mais uma reação burguesa sobre o que ele representa do que uma aversão a sua política real.1
E como ela promove o seu projeto econômico? Não falando dele, ou quando fala, busca ser bem objetiva, quase científica. Alckmin é o candidato preferido dela, mas ele não possui uma carapaça polêmica capaz de esconder os planos econômicos, o que dificulta sua progressão nas pesquisas. Na verdade, é pelo fato de Alckmin apresentar-se como o representante sensato e “puro” dos interesses dominantes, os quais todos os candidatos compartilham, que prejudica sua imagem. Marina vem em segundo lugar porque, de certa forma, representa um aspecto moral: encontra-se fora dessa discussão polêmica e não se envolveu em nenhum escândalo de corrupção.
As esquerdas não podem se deixar levar pelas pautas apresentadas pela direita vulgar. Não pode deixar-se seduzir pelo debate político superficial. Sempre coube a ela arrancar o véu da ideologia e expor a face verdadeira da exploração capitalista. Não podemos deixar esse papel histórico se diluir em meio as águas turvas despejadas pela manipulação midiática.
1 https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/A-esquerda-precisa-definir-o-Lula-que-quer/4/38548