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A direita (PSDB, DEM, MDB) teve que mover mundos e fundos para prender Lula, porque acreditava que poderia vencer Bolsonaro nas urnas. Ela repudia tanto um quanto o outro. Com uma ressonância áspera, grita pelos quatro cantos do país que os dois são representantes do populismo. Contudo, o movimento dos caminhoneiros pode ter interferido nesses planos. Se essa direita não investir com mais afinco nas redes simbólicas de comunicação, a extrema direita, que prefiro chamar de direita vulgar, vai vencer o próximo pleito presidencial.
As pessoas não se importam com o conteúdo, elas querem ouvir o discurso radical. Os movimentos de identidade vão se afinando porque não criticam a corrupção, principal característica do discurso revoltado. Esse é o centro da questão. O ethos de revoltado assumiu a dianteira do discurso político mais convincente, e a revolta é explorar ao máximo o que se tornou um lugar comum: “chega de corrupção”.
O discurso radical age como as ideologias, em prol de “interesses particulares que tendem a apresentar como interesses universais”. Ao ser apropriado pelas classes dominantes, é usado (assim como o mote “chega de corrupção”) para promover a integração real da classe dominante e uma “integração fictícia da sociedade no seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas”.1 É só se colocar contrário a corrupção (falsa consciência) para conseguir mover uma massa em prol de certos interesses. E a direita vulgar faz exatamente isso, oportunamente.
Uma greve pela intervenção militar
Cartazes, letras enormes pintadas nas ruas ou nos vidros dos caminhões diziam a mesma coisa: intervenção militar. Por mais que haja uma heterogeneidade na greve dos caminhoneiros, o pedido pelo auxílio das forças armadas na condução da política nacional foi o que mais se destacou.
A tentativa de desmerecer o exército com a divulgação dos assassinatos da era Geisel não foi suficiente para calar as vozes que pedem por intervenção militar. Anos se passaram e nenhum militar foi condenado por atividades ilegais. Agora é tarde demais. Sujar a imagem da instituição para evitar o desejo retrógrado de uma intervenção mostrou-se, portanto, ineficaz.
Nem o fiasco das operações militares no Rio serviu como argumento deslegitimador. Mesmo com o aumento da violência depois da presença constante das forças armadas, estas últimas não perderam o prestígio que adquiriram desde o fim da “vitória” na Guerra do Paraguai no século XIX, acontecimento fundamental para produzir uma liga que integrasse todas as partes do país reconhecendo-se como uma nação de fato.
A apropriação do discurso radical
A direita não consegue impedir o avanço da “direita vulgar” que, por sua vez, apropriou-se do discurso radical. Antes, esse tipo de discurso pertencia à esquerda, mas quando esta foi aderindo-se cada vez mais às lutas por identidade, a radicalidade do seu discurso deu lugar ao apaziguamento, à convivência fraterna entre os diferentes, etc...
O discurso radical, portanto, foi abandonado. A academia começou a rejeitar o marxismo como chave de leitura e se deixou seduzir pelas análises focalizadas no discurso, no simbólico etc. Sem ter ninguém para se apropriar do discurso radical, a direita vulgar se apropriou dele.
O maior símbolo disto que estou querendo dizer é o músico Lobão que antes posava para fotos com a camiseta do MST e que gritava no Faustão “Lulalá”, hoje é um dos principais representantes dessa direita obtusa. Ele preservou a sua imagem de revoltado apropriando-se dos grupos que fazem uso do discurso radical.
Essa direita vulgar é radical até mesmo quando não é ela quem conduz os movimentos. Ou será que já esqueceram que membros dela que atiraram contra o acampamento pró-Lula? Que produziram uma série de fakenews absurdas e abusivas após o fatídico acontecimento que desencadeou na morte da vereadora do PSOL Marielle Franco?
As corporações midiáticas se esforçam em manter a imagem que preserva uma ojeriza a radicalidade discursiva. O jornalista José Fucs, que teve seu artigo listado no Twitter do Estadão revela essa posição ao comentar o oportunismo de Bolsonaro em relação a greve dos caminhoneiros: “Por trás da imagem do JB paz e amor que ele tenta vender aos incautos, o que se observa é a ação de um “incendiário” que aposta no caos social, como os terroristas de extrema esquerda e de movimentos como MTST e MST, que ele tanto critica (com fundamento)”.2
Contudo, a imprensa e os representantes liberais estão perdendo o conflito que criaram ao prender o único líder popular capaz de impedir o avanço do conservadorismo. Menosprezaram Bolsonaro por um longo tempo apostando na vitória de candidatos que hoje chamam de “centro”, mas que são, por seu turno, fracos porque não conseguem mover a massa, justamente porque não são capazes de falar através do discurso radical pautado no combate à corrupção. Alckmin cogita liberar o porte de armas para fazendeiros, mas isso não irá transformá-lo em um representante dessa aura que adentrou o campo político.
Estou inclinado a acreditar que somente o juiz Sérgio Moro seja capaz de ganhar o pleito presidencial e desbancar de uma vez por todas o deputado federal Jair Bolsonaro. Mas, por enquanto, isto está fora de questão. Talvez o poder das propagandas políticas possa influenciar quando elas começarem de fato, já que uma das estratégias é colocar empresários para se candidatar a presidência.
Ou pode acontecer aqui o que aconteceu na França, onde a esquerda promoveu uma crítica intensa a Marie Le Pen, representante do discurso radical por lá, fortalecendo, de certa forma, o candidato de centro, Macron (o mal menor). É possível que o PT no segundo turno apoie o candidato que se opor a Bolsonaro contendo, assim, o avanço dessa direita vulgar, mas a questão é que ela conseguiu mover o povo, trazê-lo para o campo político, coisa que os movimentos de esquerda estão deixando a desejar.
1 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 11 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007. p. 10.
2 http://br18.com.br/do-fucs-o-oportunismo-eleitoreiro-de-bolsonaro/