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[caption id="attachment_133683" align="alignnone" width="690"] Foto: Lula Marques/Agência PT[/caption]
“O documentário é aquela película que pode mostrar a realidade como não podemos ver, como não queremos ver e como não conseguimos ver sem a mediação dessa linguagem. Mas é preciso penetrar, investigar a realidade e em alguns casos os elementos não se ajustam e nós os simplificamos, recortando-os. Portanto, o documentário é um recorte da realidade que estamos trabalhando e o que está em questão é: que procedimentos utilizamos para contar uma história? Como se denuncia? Como se intervém? Como se mobiliza? Como criamos uma consciência”. Patrício Cool, cineasta argentino.
É dolorido assistir ao aclamado e esperado filme de Maria Augusta Ramos. Reviver aqueles espantosos meses de 2016 é voltar a um redemoinho de sentimentos e reflexões. Assistir ao filme em cinema comercial em São Paulo - sem saber direito o que esperar da plateia transforma a experiência em algo muito solitário e até angustiante.
O filme é muito bem feito, muito bem montado, produzido em tempo recorde. Já mereceria a deferência pelo pioneirismo. O talento da diretora e sua equipe transforma a experiência de assistir ao documentário prazerosa, informativa e instigante.
Há humor e há tensão – há drama e há jornalismo. A belíssima tomada de abertura que, do alto, mostra a esplanada dos Ministérios como um campo de batalha rigorosamente dividido entre vermelhos e verde-amarelos pode induzir à conclusão de que o documentário teria a pretensão à neutralidade, que iria tentar mostrar de forma “imparcial” os acontecimentos.
Ledo engano. Maria Augusta Ramos foca a narrativa no grupo de senadores da esquerda que se opuseram ao impeachment, mesmo concedendo generosos espaços a alguns personagens centrais da pantomina golpista.
Eduardo Cunha tem seus minutos, Cássio Cunha Lima aparece em muitas cenas, Anastasia, idem. Aécio, bem menos. A personagem central do time do impeachment é Janaína Pascoal, retratada detalhadamente pela diretora. A propósito: a cena em que a professora uspiana toma um “toddynho” enquanto trabalha em seu laptop já valeria o filme.
A história vai sendo contada não só por meio das falas dos personagens, mas pelo que a câmera capta das expressões faciais das pessoas. Momentos de puro humor, como os das reações discretas, mas absolutamente expressivas de Gleisi. Ou os olhares de Zé Eduardo Cardoso ante à performance absurda da impetrante da denúncia contra Dilma.
Não esperem um filme panfletário, ou explicitamente propagandístico. As informações que intercalam os blocos são bastante factuais, mas seu entrelaçamento e a lógica da edição não deixam dúvidas sobre o posicionamento da diretora.
Maria Augusta elege algumas personagens centrais do lado de cá. Lindbergh: guerrilheiro e apaixonado; Gleisi: racional e combativa; Vanessa: doce e comprometida; Fátima Bezerra: indignada e crítica; José Eduardo Cardoso: brilhante e cirúrgico. E Dilma: altiva, soberana, serena. Do lado de lá o foco é mesmo em Janaína Pascoal , que parece ter impactado a diretora e roteirista.
Senti falta das legendas para identificar os personagens. Ninguém “é obrigado” a conhecer e saber o papel de cada um deles.
A absoluta ausência da mídia e do judiciário me chamaram a atenção. O corte realizado ignorou o papel dos promotores, dos juízes, do Moro e da Globo, em todo o bizarro processo. A narrativa se fecha sobre o Congresso Nacional, particularmente sobre o Senado. Uma escolha da diretora.
São 137 minutos – opção ousada e bem-sucedida porque não há tédio ou cansaço ao assistir ao filme. Outro golaço foi conseguir emplacar o documentário no circuito de cinema comercial de muitas capitais brasileiras.
A derrota do golpe de 2016 passa pela disputa cultural, simbólica, narrativa. Livros, “papers”, peças de teatro, charges, performances, músicas e filmes são ferramentas dessa guerra pela democracia.
“O Processo” já garantiu seu lugar na trajetória da construção histórica da interpretação popular sobre os eventos de 2016.
Parabéns à Maria Augusta Ramos. Corram aos cinemas!
P.S.: Ao final da sessão abri o peito e bradei: “Lula Livre”; tímidos aplausos se seguiram, mas foram suficientes para me encorajar a gritar mais duas vezes a palavra de ordem; minha voz ecoou solitária, mas ao menos ninguém me hostilizou.