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Em uma conversa civilizada com um trabalhador da segurança pública, o tema do 13° salário veio à tona. Segundo o meu interlocutor, a “dependência” que o brasileiro tem em relação a tal “bônus salarial” trata-se de uma falta de planejamento. Se nós fôssemos mais responsáveis (como ele mesmo se dizia ser) não precisaríamos desse salário.
À época a questão foi levantada por Mourão, vice na chapa de Bolsonaro, em uma reunião com empresários gaúchos. Contudo, semana passada, o presidente eleito disse que o artigo sétimo da Constituição “vai ter que se aproximar da informalidade”. E depois repetiu a ideia estapafúrdia de que ser empresário no Brasil é um tormento.
Segundo uma pesquisa do Ibope, 75% do povo brasileiro acredita que Bolsonaro está indo no caminho certo. E acredito que, mesmo com o imbróglio do ex-assessor, esse número não terá uma queda expressiva. Muito menos por conta do fim do Ministério do Trabalho.
A fé que as pessoas tem no sistema moral defendido por Bolsonaro fez com que muitos não se importassem com suas propostas políticas. Tanto que grande parte destes 75% não fazem ideia das propostas do político.
Isso leva uma pessoa defender ideias contrárias a ela mesma. Um indivíduo que se simpatiza com a minha moral, dificilmente irá me prejudicar, logo tudo que ele disser ou fizer eu concordarei, pensam os cérebros do senso comum.
Não é ignorância, é uma questão de adesão espiritual promovida pela retórica. Nas igrejas neopentecostais, onde é sabido que muitos pastores se aproveitam dos fiéis, estes são influenciados constantemente pelas palavras do pregador. Porque, este último, está na comunidade, ouve os sofrimentos, visita os enfermos. O trabalhador chega de um dia de trabalho onde foi humilhado e escuta o sermão que afirma que ele é um escolhido deDeus. Ali ele é confortado. Esse acolhimento apaga qualquer tipo de dúvida em relação a idoneidade do pastor.
O mesmo acontece com o discurso político. As pessoas revoltadas com o establishment ouviram o discurso revoltado de alguém que parecia compartilhar do sentimento popular. O tom aqui valeu mais do que as palavras que foram ditas nas entrelinhas. Por isso a afirmação de Roland Barthes é precisa: “São os traços de caráter que o orador deve mostrar ao auditório (pouco importa sua sinceridade) para dar uma boa impressão”. Bolsonaro fundiu o seu caráter à insatisfação do povo.
Essa imagem que o presidente criou o blinda contra a enxurrada de críticas que a mídia, intelectuais e entidades sociais vêm fazendo dele, dando-o liberdade para fazer algumas atrocidades, principalmente contra a classe trabalhadora. Assim como Deus esperou que Adão dormisse para arrancar-lhe a costela, o povo é iludido pelo ethos do presidente para que assim seja mais fácil arrancar-lhes os direitos.
Se não denunciarmos as táticas de fabricação desta imagem e para quem o indivíduo por trás dela trabalha vamos continuar dando murro em ponta de faca. Rebater o discurso produzido pelo presidente eleito não é o suficiente. É preciso criar uma outra narrativa que ouça os anseios populares, como o pastor da igreja ou do senhor revoltado aos berros no bar. É preciso abrir os olhos de todos para enxergarem um caminho que realmente possa ajudá-los a encarar, ou talvez superar, as dores da vida.