Dois monstros siameses (neoliberalismo e fundamentalismo)

Chegamos a um ponto de inflexão rumo a um conservadorismo ganancioso que pretende abrir as veias da América Latina com um maço de dinheiro em uma das mãos e na outra uma bíblia

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Primeiramente eu queria pedir desculpas aos siameses por comparar a sua identidade a essas duas figuras maquiavélicas. A questão (e o que tratará este texto) é que esses dois seres ignóbeis representam a encarnação de duas ideias monstruosas que se fundiram para deformar a democracia e a própria humanidade: o neoliberalismo e o fundamentalismo. Segundo que é uma grande ingenuidade da esquerda acreditar que a ascensão do candidato de extrema direita é proveniente da própria esquerda que não conseguiu parar de falar o nome dele. Esse raciocínio desvaloriza a capacidade da própria direita – que não é nada burra – de conduzir esquemas e artimanhas para chegar ao poder. Em 1941, Gandhi dizia que “na Índia, temos um governo hitleriano, ainda que camuflado em termos mais brandos”. E ainda: “Hitler foi ‘o pecado da Grã-Bretanha’. Hitler é apenas a resposta ao imperialismo britânico”.1 Aqui se trata da mesma questão. Bolsonaro é fruto do imperialismo norte-americano que se fortaleceu na América Latina após a chegada de Donald Trump ao poder, fundindo o neoliberalismo com o neopentecostalismo. E, não seria nada demais concluir, que o governo Temer foi um governo de Bolsonaro mais brando. O objetivo do golpe foi enfraquecer a esquerda e implantar uma política neoliberal que pudesse conduzir a crise de modo a recuperar as condições econômicas adequadas para a manutenção das fortunas. O governo Temer apresentou a Reforma Trabalhista, a Reforma da Previdência, o congelamento dos gastos públicos por vinte anos e ampliou a quantidade de leilões. Todas essas políticas são neoliberais que abrem as portas do país para empresas como Chevron, Equinor, Exxon, Shell etc.. O PSL, por sua vez, trouxe para esse projeto neoliberal o elemento ideológico e religioso. O fundamentalismo americano que se encontra tanto nas igrejas históricas (como a Batista, presbiteriana, metodistas etc.) e nas neopentecostais (como Sara nossa Terra, Universal do Reino de Deus etc.) caiu como uma luva para a promoção desse projeto econômico. A influência das escolas teológicas nos cursos de teologia e no mercado editorial evangélico norte-americano no Brasil, acabou por disseminar uma ideologia conservadora pregada pelos protestantes de lá. Muitos desses grupos se colocaram contra Martin Luther King Jr., e se serviram do mito da “nação escolhida” para liderar movimentos reacionários que apoiaram Ronald Reagan e agora Donald Trump. “A fé protestante tornou-se, então, forte aliada da propagação do individualismo neoliberal, por meio tanto da teologia da prosperidade quanto do moralismo ascético meritocrático”, afirma Robson Santos Dias, professor do Instituto Federal Fluminense.2 Portanto, o Brasil que virá com um presidente aliado a bancada evangélica e com um parlamento e um senado formado por muitos pastores será a continuidade do governo Temer assomado ao fundamentalismo. Cabe lembrar que o PSL é o partido mais fiel ao presidente golpista, e o guru da economia, Paulo Guedes, aconselha-se com os ministros de Temer. Serão anos extremamente religiosos, ainda mais se, no Rio de Janeiro, o candidato do Partido Social Cristão ganhar as eleições, fazendo dobradinha com o prefeito Crivella. Alguns países estão proibindo as seitas evangélicas, justamente por seus interesses não apenas religiosos, mas políticos. No Brasil temos o procurador Deltan Dallagnol, da Igreja Batista Bacacheri, entre os protestantes históricos e, o famigerado Malafaia, neopentecostal, dentre outros de grande influência na política. “Possivelmente em cerca de 10 e 15 anos o Brasil não terá mais maioria católica”, avalia o demógrafo José Eustáquio Diniz Alves, da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE. E já começamos a eleger os representantes dessa Idade Média situada no futuro. Os políticos falarem frequentemente em nome de Deus não é à toa. Vimos isso no golpe em 2016. 11% dos candidatos dessas últimas eleições eram evangélicos. Tivemos 37 deputados federais evangélicos eleitos e 6 senadores, sendo que a mulher com maior número de votos para deputado na história do Brasil foi Joice Hasselman, do PSL e membro da Igreja Batista. O Rio de Janeiro, por sua vez, elegeu dois senadores ligados a tal círculo religioso, Flávio Bolsonaro e Aroldo de Oliveira. Essa é a renovação que escolhemos para o Brasil? Uma mistura de religião e política nos moldes medievais? A década de 20 do século XXI terá muitas semelhanças ao período em que a Igreja possuía um grande poder ideológico. Depois de diversas conquistas espaciais, medicinais e tecnológicas, quem imaginaria esse retrocesso moral e político? Serão anos difíceis para a oposição e para a democracia em toda a América Latina. “O caso da Costa Rica é exemplar: bastou que o pastor e cantor Fabricio Alvarado, candidato à presidência, rechaçasse vociferante o chamado da Corte Interamericana de Direitos Humanos para respeitar os direitos da comunidade LGBTI para que ganhasse o primeiro turno da eleição. Na Venezuela, por seu lado, milhões não viram outra saída senão refugiar-se em igrejas com nomes como "Pare de sofrer". Já a Guatemala é governada por um humorista e pastor evangélico, Jimmy Morales, que é contra o aborto, recusa o casamento homoafetivo e tem mais receitas contra as minorias do que soluções para a corrupção galopante”. Chegamos a um ponto de inflexão rumo a um conservadorismo ganancioso que pretende abrir as veias da América Latina com um maço de dinheiro em uma das mãos e na outra uma bíblia. As populações de séculos atrás passaram pela mesma coisa, mas era outro modelo econômico, outra religião. A renovação que estamos presenciando na política em todo o continente é apenas de aparência, mas preserva o mesmo modus operandi.   1 Apud. LOSURDO, D. STALIN: história crítica de uma lenda negra.  Revan, 2010. p. 191. 2 DIAS, R. S. “O avanço do fundamentalismo nas igrejas protestantes históricas do Brasil”. Le monde diplomatique Brasil, ano 12, n. 135, out, 2018. p. 23.  
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