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Assim como ocorreu recentemente na Escócia, não cabe outra posição à esquerda que não o apoio incondicional à autodeterminação do povo catalão, qualquer que seja sua decisão.
Por Juliano Medeiros*
Apesar de parecer um palavrão, o conceito de “autodeterminação” não tem nada de complicado. Basicamente, representa o direito de um povo de definir livremente o estatuto político no qual quer viver. Apesar de simples, a ideia sempre assustou o status quo. Basta lembrar das lutas de descolonização na África, da guerra dos Balcãs, da histórica luta de irlandeses, escoceses, curdos, palestinos, bascos, sarahuís... Isso para não mencionar as lutas de libertação na América nos séculos XVIII e XIX. Quem detém o controle sobre um território ou população raramente aceita pacificamente a autodeterminação como um direito.
No próximo dia 1º de outubro a Europa viverá mais um episódio do conflito pela autodeterminação de uma nacionalidade. Os catalães e as catalãs irão às urnas para uma definição histórica: manter a região integrada ao reino da Espanha ou declarar sua independência. O referendo convocado para este domingo só foi possível graças à formação de um governo francamente pró-independência nas eleições de setembro de 2015. Juntos, os partidos independentistas reunidos na coalização “Juntos pelo Sim” firmaram o compromisso de convocar um plebiscito e submeter à soberania popular a decisão de tornar a Catalunha uma nação independente.
A situação é inédita para a União Europeia. Em comunicado, o organismo pediu que a Catalunha respeitasse a decisão do Tribunal Constitucional da Espanha que decretou a ilegalidade do plebiscito e advertiu que só reconhecerá o resultado de qualquer consulta se ela for feita dentro da “legalidade”. O problema, porém, é que os tribunais não são imparciais.
Por sua vez, a Generalitat (governo autônomo da Catalunha) já tem definido o mecanismo para viabilizar a separação imediata da Catalunha do restante da Espanha caso o governo conservador de Mariano Rajoy consiga impedir a realização do plebiscito sobre a independência. Segundo o jornal El País a chamada “Lei de Transição Jurídica”, conhecida como lei da ruptura pretende funcionar como uma constituição provisória catalã pelo prazo de dois meses, até que o parlamento regional promova um processo constituinte que desembocaria na República Parlamentar da Catalunha.
A tensão aumentou nos últimos dias, com gigantescos protestos a favor e contra a separação da Catalunha. Em Barcelona e outras cidades os partidos e movimentos independentistas ampliaram o apoio popular ao referendo. Na Espanha, por sua vez, começaram a surgir protestos contrários à divisão, em geral promovidos por forças nacionalistas conservadoras.
A polícia catalã, por sua vez, informou que não cumprirá a determinação da Fiscalía (equivalente ao Ministério Público) para reprimir o referendo no próximo domingo. Como reação, o governo espanhol enviou milhares de soldados da Guarda Civil e da Polícia Nacional, o que tende a aumentar a tensão. Na semana passada, a mesma Guarda Civil prendeu Josep Maria Jové, considerado o braço direito do vice-presidente da Catalunha, o independentista Oriol Junqueras. Além dele, outras 14 lideranças independentistas também foram detidas em represália do governo de Madri ao referendo.
Para escapar das medidas repressivas do governo espanhol, a “Sindicatura Electoral”, uma espécie de Comissão Eleitoral temporária estabelecida apenas para o plebiscito, teve de se autodissolver para evitar represálias por parte das autoridades de Madri.
As pesquisas demonstram que há uma importante divisão dentro da própria Catalunha. Embora o movimento pela independência demonstre muita força em atos de rua e nas declarações das lideranças políticas catalãs, a verdade é que diversas pesquisas demonstram que o tema divide opiniões. Mais uma razão pela qual a consulta se torna tão relevante: demonstrar se o sentimento pró-independência é tão majoritário quanto parece.
No entanto, o governo conservador de Rajoy já afirmou que não aceitará o resultado e lutará com todas as armas a seu alcance – o que pressupõe a violência – para manter a Catalunha subordinada à Espanha. Assim como ocorreu recentemente na Escócia, não cabe outra posição à esquerda que não o apoio incondicional à autodeterminação do povo catalão, qualquer que seja sua decisão. Viva a Catalunha! Viva a decisão soberana de seu povo!
*Juliano Medeiros é presidente da Fundação Lauro Campos e membro da Executiva Nacional do PSOL, esteve na Catalunha em julho de 2017.
Foto: Divulgação