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Grupos autointitulados liberais combinam a defesa radical dos interesses do mercado com a propagação de ideias reacionárias, moralistas, misóginas, racistas, homofóbicas, transfóbicas, discriminatórias, anticomunistas.
Por Julian Rodrigues*
A extrema-direita não apenas saiu do armário (pelo menos, desde as “jornadas de junho”), como tem uma estratégia articulada de constituição de alianças entre diversos segmentos sociais, com o objetivo de acirrar a disputa político-ideológica e alavancar a força das ideias fascistas no Brasil.
Com financiamento internacional, grupos autointitulados liberais adotam uma pauta que é a rigor, “liberal-fascista”. Ou seja, combinam a defesa radical dos interesses do mercado com a propagação de ideias reacionárias, moralistas, misóginas, racistas, homofóbicas, transfóbicas, discriminatórias, anticomunistas (e anti qualquer coisa que soe progressista).
Com essa pauta, se aliaram aos radicais do mercado, ao fundamentalismo evangélico, ao conservadorismo católico, ao autoritarismo dos saudosos das ditaduras, aos coronéis do agronegócio, à bancada da bala, e às novas “senhoras de Santana” (falso moralismo e apologia de “valores tradicionais”: toda nudez será castigada).
Embora com diferentes origens e estratégias, a partir de 2015, forjou-se um amálgama consistente entre os criadores da tal “ideologia de gênero” e os combatentes da “escola sem partido”.
Nacionalizando suas ações, têm causado grande estrago, principalmente pela inserção no poder legislativo (em todos os níveis) e pela alta capacidade de usar as redes sociais.
MBL e quetais são financiados internacionalmente. Atuam de maneira altamente profissionalizada, científica mesmo, nas redes sociais. Nada disso seria possível sem o monopólio dos gigantes conglomerados norte-americanos (Google, Facebook) e seus mecanismos de monitoramento e difusão de conteúdos.
Contudo, tais grupos nunca teriam tanto sucesso se a conjuntura internacional também não fosse de crise profunda do capitalismo neoliberal - que promove todo tipo de regressão. Afinal, vivemos na era Trump.
Desviando a atenção
Depois de manejar o discurso anticorrupção, atiçar a classe média paneleira e contribuir fortemente com o processo golpista, essa aliança de extrema-direita olhou para o lado, assobiou, saiu das ruas e trocou de pauta.
Como apoiam o indefensável Temer (e o PSDB), MBL, Bolsonaro, fundamentalistas cristãos e afins partiram para a intensificar o que alguns analistas chamam de “guerras culturais”. É necessário criar distrações, mudar de assunto, porque a política econômica neoliberal e as reformas são altamente impopulares.
Partiram, então, para cima das salas de aulas, livros didáticos e exposições de arte. Redobraram a perseguição ao feminismo, aos direitos LGBT, à livre expressão artística, à educação emancipatória.
Dedicaram-se à criação de factoides semanais, apostando tudo no “pânico moral”. Tentam se vender como os maiores defensores das crianças e das famílias. Apoiaram a volta do ensino religioso confessional nas escolas. Ressuscitaram a “cura gay” e, na última semana, conseguiram decisão judicial que libera, nas redações do ENEM, conteúdos discriminatórios e de incitação ao ódio.
Parênteses: a maior parte do Ministério Público e do Judiciário é sócia e executora desse conjunto absurdo de retrocessos civilizatórios. Juizecos reaças e promotorezinhos coxinhas puseram as garras de fora, liberando todo seu conservadorismo.
O sucesso desse tsunami reacionário pode ser constatado não só pelos quase 20% de intenção de voto do deputado fascista, mas também pela popularidade crescente dessas ideias e valores entre os jovens.
Bater de frente
Em primeiro lugar, a esquerda, os setores de centro democráticos e os “liberais progressistas” não podemos subestimar a gravidade do momento político e o sucesso das táticas da extrema-direita. Seria um erro histórico minimizar a influência crescente das posições autoritárias e regressivas no país.
E, por mais que o contexto histórico seja distinto, há sim, semelhanças com o cenário dos anos 1930, quando fascismo e nazismo tomaram a Europa. E semelhanças também no discurso e no modo como atuam.
É natural que às vezes consideremos que figuras como a do boquirroto ator pornô, dos humoristas analfabetos, de youtubers alucinados, e dos pastores de chapinha sejam irracionais, bizarras e até mesmo caricatas demais para serem levadas a sério. Que talvez o melhor fosse ignorá-los.
Ocorre que vivemos um momento de profunda crise, quando a grande mídia joga todas as fichas na criminalização da política. As ideias de esquerda estão em baixa - depois de uma profunda derrota do nosso campo (independentemente do balanço dos erros cometidos pelo PT e pelos governos Lula-Dilma). Um cenário que facilita a propagação e adesão aos valores e teses anti-civilizatórios e de todo um arcabouço irracionalista e regressivo.
Em segundo lugar, se não subestimamos a força dessa onda direitista, então o desafio é construir não só a resistência, mas, sobretudo, o enfrentamento direto.
Hora de radicalizar a disputa política-ideológica-cultural, sem concessões, levantando as bandeiras dos direitos humanos, do feminismo, da igualdade racial, dos direitos sexuais e reprodutivos, da liberdade artística, da laicidade, da liberdade religiosa, da educação crítica, da democratização da comunicação.
Por último: nenhuma tolerância com grupelhos fascistas, por mais ridículos que possam parecer. É o seguinte: se eles se organizam para impedir palestras, aulas e exposições, nós vamos enfrentá-los - se for necessário não só verbal, mas também fisicamente.
Com fascistas militantes, o diálogo não é possível. Hitler não foi derrotado por meio do convencimento racional, de eleições ou de cirandas fofas.
Não admitiremos mais que meia dúzia de imbecis impeçam nenhuma manifestação, aula, palestra, exposição artística ou evento.
Organizemos a militância antifascista. Vamos mandar essa galera de volta à caverna da qual saíram.
*Julian Rodrigues é professor, jornalista e militante dos movimentos de direitos humanos e LGBT
Foto: Commons