ARÁBIA SAUDITA

O projeto de megalópole futurista da Arábia Saudita está em declínio; entenda por quê

O The Line é um projeto de US$ 500 bilhões, mas pode estar com seus dias contados

Cidade futurista The Line.Créditos: The Line project
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The Line promete ser uma cidade "cognitiva", altamente adaptável e inteligente, com apenas 170 quilômetros de extensão. Construída sobre montanhas desérticas a aproximadamente 50 km do Golfo de Aqaba, numa altitude de 1.500 a 2.600 metros acima do nível do mar, e passando por uma cadeia de vales até chegar no Mar Vermelho, a cidade isolada, parte de um mega projeto urbanístico avaliado em cerca de US$ 500 bilhões, teria apenas um sistema de trem inteligente como via de acesso. 

A cidade deve contar com apenas 200 metros de largura. É uma grande cidade vertical, que se pretende "sem estradas, carros ou emissões", de acordo com seu portal oficial, Neom.com. Além disso, seria alimentada por fontes de energia 100% renováveis, com 90% de seu espaço natural preservado.

O projeto ambicioso foi pensado para acomodar cerca de nove milhões de pessoas em apenas 34 quilômetros quadrados

É uma ideia digna da "Megalópolis" de Francis Ford Coppola, vendida por Mahammed bin Salman, o príncipe saudita, como a cidade do futuro, que livraria o país da dependência extrema das fontes de petróleo e se ergueria como um dos projetos arquitetônicos e urbanísticos mais inovadores do mundo. 

Mas, em abril de 2024, uma matéria do jornal The Guardian noticiou uma possível barreira nos planos dos sauditas: a cidade espelhada do futuro (feita de material reflexivo, a fim de controlar as altas temperaturas do deserto) parece ter tido sua construção desescalada e entrando num período de intenso layoff (demissão em massa) de seus construtores principais.

O movimento, inicialmente noticiado pelo Bloomberg, foi retraçado a "documentos" a que o veículo teve acesso, que se referiam à execução das obras. De acordo com a matéria, "houve relatos sobre a mudança de visão do príncipe Mohammed para o projeto", além de "gastos excessivos no orçamento e uma lista de funcionários em constante mudança, com alguns que trabalharam no projeto descrevendo-o como 'desligado da realidade'". 

É como se Mohammed fosse o César da nova produção de Coppola: uma espécie de visionário ultra futurístico que não para de criar, e que visa a melhoria constante, independente de restrições orçamentárias e crises, para o "projeto de uma vida". 

Muito similar ao seu análogo cinematográfico, aliás, a cidade foi descrita como uma "revolução civilizacional" sensível, em que cada aspecto da vida de seus cidadãos seria melhorado por tecnologias de inteligência artificial, tornando-a uma "cidade cognitiva", realmente pensante. 

De acordo comThe Conversation, "um relatório de consultoria inicial" do projeto indicava proposições ainda mais megalomaníacas, como a criação de uma "lua artificial", o emprego de uma frota de drones e a criação de robôs de serviço para compor 50% da população urbana.

A ideia era que a cidade futurista no deserto estivesse parcialmente concluída até 2030, e autoridades sauditas permitiram o uso de força letal a fim de "limpar o terreno" para a construção, se assim fosse necessário.

Há companhias ocidentais em parceria para a construção da megacidade (dentre eles, destacam-se o arquiteto britânico Norman Foster e o CEO do Sidewalk Labs, da Google, Dan Doctoroff); e, de acordo com a BBC, "casas, escolas e hospitais foram eliminados do mapa", numa área que correspondia a três vilas, para abrir espaço para a construção, como mostram imagens de satélite colhidas do local.

O despejo de moradores da área a ser utilizada foi fonte de controvérsias durante os primeiros passos de construção da cidade, e, apesar de políticas de compensação terem sido empregadas, o governo saudita teve de usar a força diversas vezes para expulsar locais e demolir estruturas antigas ao longo de 2020 e 2021.

Em maio de 2024, quando a desescalada do projeto foi anunciada, devido às crescentes dificuldades orçamentária e às indefinições enfrentadas pelos planos piloto, o The Line passou a ser um pouco menos ambicioso: a cidade agora pretende ter 2,4 km de comprimento, reduzida a um terço do plano originalmente traçado, e sua real utilidade tem sido questionada pela comunidade internacional.

Leia também: Potência petrolífera constrói megacidade e obra já matou mais de 21 mil operários

"Quem iria querer viver no extremo de um deserto de 170 km de comprimento, no qual a única forma de saída é um sistema de trem 'inteligente'?", questiona David Murakami Wood, professor de Estudos Críticos de Segurança da Universidade de Ottawa. 

O projeto, diz Wood, é "um exemplo típico de uma falha maciça e persistente da imaginação, impulsionada por um capitalismo  cego pela ideologia dos combustíveis fósseis e incapaz de lidar com a necessidade de enfrentar a crise climática, a crescente desigualdade global e a persistência da guerra e do genocídio".

 

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