O vereador da cidade gaúcha de Caxias do Sul Sandro Fantinel foi condenado a três anos e 20 dias de reclusão, em regime inicial aberto, à perda do cargo público e ao pagamento de R$ 50 mil de indenização pelo crime de induzir e incitar a discriminação e o preconceito de procedência nacional.
A sentença foi proferida pelo juiz federal substituto Julio Cesar Souza dos Santos e cabe recurso à decisão no Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região. A condenação se deu em função de um episódio ocorrido em fevereiro de 2023 em uma sessão na Câmara Municipal que discutia o caso de 207 trabalhadores resgatados em situação de escravidão de um alojamento em Bento Gonçalves (RS) durante a colheita da uva para as vinícolas.
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“Agricultores, produtores, empresas agrícolas que estão, neste momento, me acompanhando, eu vou dar um conselho para vocês: não contratem mais aquela gente lá de cima. Conversem comigo, vamos criar uma linha e vamos contratar os argentinos, porque todos os agricultores que têm argentinos trabalhando hoje só batem palmas”, disse o vereador na ocasião.
Ele recomendou ainda, em seu discurso xenofóbico, a contratação de argentinos. “[Os argentinos] São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantêm a casa limpa e, no dia de ir embora, ainda agradecem o patrão pelo serviço prestado e pelo dinheiro recebido”, disse ele.
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A liberdade de expressão não é absoluta e ilimitada
Na denúncia, o Ministério Público Federal (MPF) apontou que Fantinel teria gerado humilhação, constrangimento e vergonha ao povo nordestino, ao proferir discurso na Câmara de Vereadores.
A defesa do vereador alegou que haveria "excesso de acusação", pois o MPF teria deixado de especificar o verbo nuclear da conduta que teria sido praticada pelo réu, se preconceito ou discriminação. Também argumentou que a fala do acusado estaria protegida pela imunidade parlamentar e defendeu que não haveria dolo, já que a intenção do réu não teria sido a de ofender.
O juiz afastou a tese de imunidade parlamentar, invocando decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a imunidade prevista na Constituição Federal se limita à circunscrição do município e as declarações tiveram repercussão em todo o Brasil. Segundo o magistrado, o parlamentar estava incitando diretamente a diferença de tratamento em razão da procedência nacional e a contraposição entre argentinos e baianos teria o intuito de menosprezar as pessoas nascidas naquela região.
A decisão aponta ainda que o réu incitou a discriminação de religião e raça ao falar que "a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor". “O tambor é um símbolo da diáspora negra no Brasil e tem papel sagrado no exercício de religiões de matriz africana”, apontou o juiz. A fala seria ainda “dolosamente dirigida para induzir e incitar a discriminação e o preconceito em razão da procedência nacional, da raça e da religião”.
“Uma informação pode atingir milhares de pessoas em questão de minutos, ecoando falas discriminatórias que, não raro, inflamam radicais que encontram uma falsa legitimidade em figuras públicas - muitas vezes detentoras de mandatos eletivos. (…) Como todo direito fundamental, a liberdade de expressão não é absoluta e ilimitada, encontrando limites na proteção de outros direitos também fundamentais, no caso, da dignidade humana”, escreveu o magistrado em sua decisão.
A pena de reclusão pode ser substituída por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária de 30 salários mínimos, mais 86 dias-multa.
Mandato "salvo" e reeleição
Após a repercussão de seu discurso em fevereiro de 2023, Fantinel foi expulso de seu partido, o Patriota, e, em maio daquele ano, a Câmara votou a cassação do seu mandato por quebra de decoro parlamentar. Foram 13 votos favoráveis, 9 contrários e uma abstenção, do próprio Fantinel. Eram necessários dois terços dos votos favoráveis à perda do mandato, ou seja, 16 votos, e o vereador se salvou.
Não só seguiu como parlamentar como conseguiu sua reeleição em 2024, concorrendo pelo PL, com mais de 2 mil votos. Em entrevista ao Zero Hora após conseguir seu novo mandato, em novembro, ele relembrou sua trajetória política, enaltecendo a figura de Jair Bolsonaro.
"Eu o conheci no início de 2017, e a gente foi construindo uma ideia. Eu lembro como se fosse hoje na mesa dele, inclusive eu tenho um vídeo de 30 minutos com ele. Foi a primeira vez que a gente se encontrou. E foi onde ele me disse, que as eleições seriam decididas pelo celular. Eu fiquei surpreso dele ter um conhecimento tão adiantado do que ia acontecer", disse. "Logo depois, o próprio Jair Bolsonaro e o Onyx Lorenzoni me nomearam presidente do PSL (então partido de Bolsonaro, pelo qual ele se elegeu presidente da República) em Caxias do Sul (o PSL juntou-se ao DEM posteriormente para formar o União Brasil, enquanto Bolsonaro migrava para o PL)", afirmou ao jornal gaúcho.
Na entrevista, ele também falou sobre o episódio. "Eu cometi erros, infelizmente, como todo ser humano comete. Tive aquela triste situação lá dos baianos, que me arrependo muito, que foi uma fala triste. Foi um momento que eu perdi um pouco o rumo, mas aquilo me fez amadurecer muito e enxergar a situação de uma forma totalmente diversa", disse.
Com informações do site do TRF4